quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sexo sem nexo*

Eu sempre achei que educação sexual era uma questão familiar. Ou, pelo menos, deveria ser.

De fato não é o que acontece. Décadas depois da revolução sexual o assunto ainda é tabu para muitas famílias e, claro, o aprendizado continua sendo pelas formas mais distorcidas possíveis, a começar da pornografia disponível em todas as mídias.

Para compensar a falta de informação em casa, as escolas têm tentado suprir essa lacuna, com o objetivo de reduzir os índices de gravidez precoce e alertar sobre as doenças sexualmente transmissíveis. Como a informação está disponível para as crianças cada vez mais cedo, esse conteúdo aparece nos livros escolares de forma precoce.

O que não deixa de ser louvável, especialmente em tempos que os abusos sexuais são tão presentes na nossa sociedade.

Outro dia, ao ajudar o meu filho de 10 anos no seu estudo de ciências, descobri que o tema surgira antes do que eu esperava. Não era exatamente um problema, até porque eu nunca lidei com o assunto a partir dos mitos e lendas da cegonha, nem enfeitei com as abelhinhas e as florzinhas

Em compensação eu fiz uma descoberta bastante original. A escola tenta ensinar educação sexual, sem falar de sexo. Acompanhem a lógica da matéria.

O primeiro ponto falava a respeito dos aparelhos reprodutores masculino e feminino. Explicava as partes do corpo de cada um e, também, a produção de espermatozóides, a ejaculação, o caminho que o óvulo faz do ovário até o útero.

Nas páginas seguintes explicava que o óvulo quando encontra o espermatozóide gera um feto. E a matéria seguia pelo desenvolvimento no bebê no útero.

Mas onde estava a explicação de como é que o espermatozóide chega no óvulo? É por obra do Espírito Santo?

Pior, depois disso, o livro começava a dar exemplos de métodos anticoncepcionais. Camisinha para os meninos e pílula para as meninas.

Para que diabos serve uma camisinha se ninguém explicou o que era uma relação sexual? Para que retardar a ida do óvulo para o útero se ninguém conta o que acontece por lá?

Eu fiz alguma dessas perguntas para o meu filho, supondo que, talvez, a professora tivesse dado a explicação. Ele não fazia a menor idéia.

Ou seja, a idéia de ensinar educação sexual é bem moderninha, desde que não se fale em relações sexuais.

Como é que se espera que as crianças entendam o processo todo? Ou será por conta da imaginação de cada um, ou será, de novo, pelos caminhos tortos.

Antes que isso aconteça eu mesmo expliquei como é que a coisa toda funciona. Ele entendeu, depois me explicou o que tinha entendido (corretamente).

Ato contínuo, ele perguntou se podia ir jogar bolinha de gude. O que, de fato, interessa mais um menino de 10 anos.

Descrição de imagem : foto ampliada de um espermatozóide fecundando um óvulo.

*O título desse texto saiu de um comentário do Rubens Pires Osório (filho) num texto semelhante que publiquei no Mens Insana

domingo, 27 de setembro de 2009

Manifesto Contra o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

No projeto de lei que prevê a criação do Estatuto da Pessoa com Deficiência estão inseridos programas, serviços, atividades e benefícios, muitos deles ainda concebidos através de uma visão assistencialista e paternalista e por vezes até autoritária em relação às pessoas com deficiência.

Isto porque muitos ainda nos veem como objeto de caridade, como incapazes e sem direito de fazer nossas próprias escolhas, tomar decisões e assumir o controle de nossas vidas.

Este projeto de lei, resultado de consultas públicas ao longo de alguns anos, como dizem seus defensores, altera a legislação vigente nos eixos da educação, saúde, trabalho, transportes e outros, enfim, altera as leis que hoje cunham as políticas públicas em todas as esferas de governo: federal, estadual, municipal e distrital.

Sabemos que vários interesses conflitantes permeiam cada um dos temas tratados no Estatuto. São interesses políticos, econômicos e corporativos que não representam as atuais conquistas do movimento das pessoas com deficiência.

Dizer que o Estatuto é inevitável e por isso temos que colaborar para que o seu texto seja menos ruim, é negar anos de luta do Movimento das Pessoas com Deficiência que desde 1981 - Ano Internacional das Pessoas Deficientes - começou a exigir "participação plena e igualdade de oportunidades". De lá para cá muitas ações reforçaram esta exigência. Nosso Movimento foi autor de alguns artigos da Constituição Federal de 1988 e conseguiu aprovar e barrar inúmeras leis.

O Estatuto é uma volta ao passado, quando os instrumentos legais e recomendações internacionais eram direcionados ao assistencialismo às pessoas com deficiência.

Nos tempos atuais um estatuto específico para nós é um contra-senso e um retrocesso, se coloca na contramão da evolução histórica, prejudicial ao reforçar a imagem de inválido e "coitadinho", levando a sociedade a continuar tratando a pessoa com deficiência como um ser desprovido de capacidade. Desta forma, o Estatuto legitima a incapacidade e oficializa a discriminação contra a pessoa com deficiência ao separá-la das leis comuns.

O Estatuto é desnecessário, pois a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, maior conquista da história mundial dos direitos humanos, já faz parte do nosso arcabouço legal, ratificada através do Decreto Legislativo 186/2008, com status de emenda constitucional, e reafirmada pelo Decreto 6946/2009.

Basta agora ajustar nossa legislação à ela. Já existe um estudo, encomendado pela CORDE e patrocinado pela UNESCO, que faz um paralelo entre a Convenção e a Legislação existente e aponta as alterações necessárias.

Nossa luta urgente é pela criminalização da conduta discriminatória contra as pessoas com deficiência.

Estamos caminhando para que a sociedade perceba que a pessoa com deficiência faz parte da população e é titular de todos os direitos, obrigações e liberdades fundamentais. Deverá ficar claro que, nas leis comuns, a pessoa com deficiência está incluída com o mesmo direito aos serviços oferecidos à população e que serão previstas especificidades de usufruto somente quando as condições de uma determinada deficiência assim exigir.

Em tal contexto, não haverá lugar para um Estatuto separado sobre as pessoas com deficiência. Todas as eventuais vantagens de um instrumento como este não compensam a anulação do processo de amadurecimento, evolução e conquistas do movimento das pessoas com deficiência nos últimos 30 anos, no Brasil.

Centro de Vida Independente Araci Nallin.
Associação dos Amigos Metroviários dos Excepcionais - AME
Rede Atitude
Amankay - Instituto de Estudos e Pesquisas.
Mais Diferenças
3IN
Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa com Deficiência de São Paulo
Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo
Bengala Legal
CVI Campinas.
Grupo Síndrome de Down
FoPEI - Fórum Permanente de Educação Inclusiva.
CEMUPI - Centro Multidisciplinar de Estudos Pró Inclusão - Belas Artes - São Paulo
Instituto MetaSocial
Inclusive - Agência para Promoção da Inclusão.
IIDI - Instituto Interamericano sobre Deficiência e Desenvolvimento Inclusivo
CVI Resende.
CVI Niterói.

Para as entidades ou grupos que queiram aderir ao Manifesto contra o Estatuto da Pessoa com Deficiência, por favor, enviem e-mail para:Manifesto contra o Estatuto.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Bandidos em fuga

"...educação especial é um serviço, não um lugar."


Muito tem se discutido os documentos que o MEC e o Conselho Nacional de Educação tem publicado na tentativa de implantar uma educação que, de fato, seja para todos, sem segregação e exclusão.

Um dos mais importantes, publicado no ínicio de 2008, foi a "Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva", que direciona os serviços de educação especial para dentro das escolas comuns, de forma que as pessoas que necessitem desses serviços o tenham sem serem segregadas.

A geometria nos explica que perspectiva é a projeção em uma superfície bidimensional de um determinado fenômeno tridimensional. Para termos essa percepção tridimensional usamos o recurso dos pontos de fuga, que é o ponto (ou os pontos) de convergência das linhas que descrevam a profundidade dos objetos. É a direção para onde um objeto segue, se aprofunda.

No entanto, contrariando todos os princípios geométricos, o que muitas escolas tem feito é tentar achar pontos de fuga para escapar dessa perspectiva. Usam de argumentos que vão dos escancaradamente preconceituosos aos mais sorrateiramente disfarçados.

O problema é que, quando criamos um ponto de fuga, é justamente para lá que os nossos olhos vão (você pode não entender nada de desenho ou de pintura, mas quando olha para um, seus olhos são atraídos para esses pontos). Ponto de fuga é justamente onde tudo se centraliza.

Quando um ser preconceituoso como o presidente do sindicato das escolas particulares do Rio Grande do Sul afirma, contrariando a mais básicas noções de direitos humanos, que as suas escolas tem a prerrogativa de recusar alunos com deficiência, ele está tentando usar o ponto de fuga do desprezo pelo ser humano. Um ponto de fuga que já foi bastante utilizado por torturadores, assassinos, terroristas e fascistas de todas as espécies.

Um ponto de fuga que defende a superioridade alguns seres humanos em detrimento dos outros. Que acredita que o mundo é de quem tem e não de quem é.

Pior do que isso, apoiado pelo Ministério Público, que deveria, salvo eu esteja enganado, ser o defensor da ordem legal e não dos interesses econômicos das escolas particulares. Ministério Público que ignora a existência de uma Constituição Federal que, no seu arcabouço, passou a incluir a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Claro, alguns vão alegar que essas escolas não estão preparadas para receber crianças com deficiência. Não estão mesmo, e nunca estarão enquanto as crianças não estiverem no dia-a-dia da escola.

De novo é a geometria e a arte que nos explicam que, quando criamos um ponto de fuga, criamos um espaço vazio que precisa ser preenchido pelo artista, caso contrário a perspectiva será nenhuma.

Inclusão só existirá quando os artistas da pedagogia preencherem esses espaços.

Enquanto isso não acontece, precisamos ficar de olho nesses pontos e brigar para que o que deve ser uma bela perspectiva não se torne apenas um buraco por onde os bandidos escapem.

Descrição da imagem : Quadro do pintor M.C.Escher, chamado "Relatividade", mostra pessoas subindo e descendo escadas que não convergem para os mesmos pontos de fuga, dando uma sensação de um espaço cuja lógica é totalmente subvertida.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Ao inferno a hipocrisia

Nessa semana eu recebi de uma amiga o endereço de um blog (que eu não vou repetir aqui) em defesa da educação especial inclusiva.

Antes de abrir a página eu já sabia que estavam em contradição, em bom português chamamos isso de oxímoro, dois conceitos opostos numa só expressão. Não podia ser boa coisa.

Como eu sou curioso eu entrei no site. E, dentre as pérolas que encontrei por lá, a mais absurda dizia o seguinte:

"Sempre lutamos por esta inclusão, mas para os alunos que acompanham o desenvolvimento das propostas curriculares das classes comuns do ensino regular."

Ou seja, é a turma que defende a inclusão para quem não precisa dela. E que quer manter excluídos apenas os que precisam de inclusão.

Partem do princípio clássico de que são os excluídos que devem se adequar à sociedade. Afinal, se estão excluídos a culpa é deles, quem mandou ser pessoa com deficiência?

Dentro da mesma lógica, acredito que, em breve vão surgir novos movimentos na mesma direção.

Podemos desenvolver o o livro acessível impresso, especialmente para cegos que enxerguem. A língua brasileira de ruídos para surdos que ouçam e, quem sabe um bom arquiteto não crie a rampa em degraus para cadeirantes que andem.

Acho legítimo que algumas pessoas acreditem na segregação (não concordo de forma alguma, mas é um direito deles pensar assim), seja por ideologia, seja por interesse econômico (existe ideologia dissociada de algum interesse?)

Agora, em relação aos hipócritas, como os que querem passar por inclusivos garantindo a segregação que os beneficia, só posso esperar que ardam no fogo e enxofre do Hades.

Descrição da imagem: uma pessoa que se esconde por trás de uma máscara branca

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Toda loira é burra.

Tinha certeza que você viria aqui para ler que asneira eu poderia ter escrito com esse título. Antes que que me apedrejem eu já aviso que não acredito na afirmação do título, não me consta que a cor dos cabelos (naturais ou artificiais) influenciem sinapses.

Mas é assim mesmo que o mundo funciona, as pessoas adoram fazer generalizações, seja para aparecerem, seja para fomentarem polêmicas, ou , simplesmente porque não sabem raciocinar de outra forma.

E não sabem raciocinar de outra forma, pois foram educadas a ver pessoas como massas homogêneas a partir de determinadas características, geralmente físicas. Isso é resultado da crença quase dogmática no determinismo biológico ( a idéia de que tudo na vida é resultado das nossas condições genéticas).

Por esse raciocínio toda pessoa gorda é bem humorada. Todo baixinho é autoritário. Todo negro tem grande força muscular (sim, muita gente ainda pensa em escravos). Todo japonês é esforçado. Todo italiano é romântico.

Apesar dessa origem, as generalizações há muito deixaram de ser apenas sobre tipos físicos e se espalham por todas as categorias de pessoas que possam ser agrupadas. E aí começam as generalizações por formação acadêmica, por profissão, por tipo de hobby que tenha.

O maior problema é que são justamente essas generalizações que fazem com que tratemos as pessoas como se fossem um grande pastiche onde todos reagem da mesma forma. A começar da nossa educação.

Toda vez que faço palestra para professores peço que eles me falem das suas classes homogêneas. Sempre me dizem que classe homogênea não existe.

Bem, se não existe classe homogênea, porque as aulas, o material didático, as avaliações são iguais para todos? Porque os professores ficam tão assustados quando tem algum aluno que fuja ao padrão dessa homogeneidade que eles dizem não existir.

Eu poderia até cometer a insanidade de dizer que todas as escolas são iguais, ou que todos os professores não sabem lidar com a diversidade. Mas seria outra generalização burra.

Felizmente, eu não preciso generalizar aqui. Existem professores e escolas que não são iguais a todas as outras. Nessas, os alunos, tratados como indivíduos, têm aprendido que nem todo mundo é igual, e que a vida é bem mellhor assim.

Descrição da imagem : numa sala de aula com alguns alunos sentados e um deles em pé, a professora diz: Parabéns Joãozinho. Você conseguiu repetir exatamente o mesmo absurdo que eu acabei de ensinar para vocês.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A invasão dos downianos

Recentemente li um artigo que finalmente me trouxe todos os esclarecimentos que eu precisava a respeito da Síndrome de Down, assunto que me interessa desde o nascimento do meu filho há mais de 10 anos.

A revelação veio através de um desses muitos artigos bem intencionados mas, totalmente desinformado, o que comprova a tese que sempre ouvi da minha mãe que de boas intenções o inferno está cheio.

O artigo se referia às pessoas com síndrome de Down como os “downianos”.

É isso! Rapidamente constatei, eles não são seres humanos, mas extra-terrestres, vindos diretamente do Planeta Down, que deve ficar na galáxia de Cromossômica.

Os seres desse planeta, assim como se crê sobre os incas venusianos, são todos iguais. Seja de aparência, de comportamento ou capacidade. É verdade que, apesar de 97% deles terem material genético adicional no cromossomo 21, não significa que todo o resto da sua genética é idêntico. Quem vê de fora não percebe.

Duro é que muita gente que vê de dentro também não percebe isso.

Mas existem outras características comuns ao “downianos”, todos são sensíveis a um determinado tipo de minério, a hypotonita. Por outro lado são mais resistentes a determinados tipos de tumores o que tem levado os pesquisadores a querer entender melhor o tal do terceiro cromossomo.

Os downianos já frequentam a Terra há centenas de anos mas, nas últimas décadas começaram a ter algumas mudanças de comportamento significativas.

Uma delas é que passaram a resistir mais tempo ao ambiente hostil que os cercava e, atualmente, vivem mais.

A mudança mais significativa, no entanto, é que, de pouco tempo para cá, eles começaram a invadir disfarçadamente os espaços dos seres comuns e, com isso estão adquirindo características quase humanas.

Acreditava-se que nenhum deles conseguiria aprender a respeito da cultura dos terráqueos, especialmente da educação formal. Por incrível que pareça, todos aqueles que se infiltraram nas escolas comuns começaram a aprender. Alguns mais que os outros, mas os terráqueos também não são assim?

O ufólogos afirmavam que os downianos não tinham capacidade de abstração, que nunca aprenderiam álgebra e que, no máximo, poderiam ser treinados para tarefas repetitivas. Os downianos escolarizados estão derrubando todos esses mitos.

Esse comportamento está deixando os ufólogos em pânico. Percebem que podem perder os seus empregos e, especialmente, as verbas secretas que os governos lhes concede para manter os downianos segregados.

Se os órgãos oficiais não colocarem uma ordem nessa bagunça, daqui a algum tempo os downianos vão querer ter até os mesmos direitos que os humanos.

Descrição da imagem: um grupo de alienígenas verdes do filme Galaxy Quest.