quarta-feira, 6 de maio de 2009

Tirem as nádegas da cadeira

Entrevistador: Marco Antonio de Queiroz - MAQ.

1 - Porque inclusão?

Porque as exclusões são muitas. Vivemos ainda numa sociedade compartimentada e, apesar dos discursos bonitos a respeito de igualdade, percebemos que muitos (e não só as pessoas com deficiência) não tem acesso às condições mais básicas de existência. Perpetuar essas exclusões é uma forma de considerar determinadas pessoas como seres humanos de segunda ou terceira categoria, como se fossem menos humanos, com menos necessidades que os demais.

2 - Inclusão escolar, inclusão social, inclusão no trabalho, inclusão política… algum excluído conseguiria sentir-se em uma sociedade inclusiva caso sua deficiência não fosse aceita em sua própria casa?
Algumas pessoas conseguiram superar suas próprias exclusões familiares e encontrar seu espaço social mas, sem dúvida, se no espaço social que mais deveria dar apoio às pessoas, elas são excluídas, a vida fica muito mais difícil.

O que não significa que, apesar de amados por suas famílias, muitos não sejam excluídos dentro dos seus próprios lares sob relações pessoais que parecem aceitáveis, mas são excludentes. Muitos pais não acreditam que seus filhos conseguirão estudar, outros os “protegem” da sociedade evitando qualquer contato com ela e, não poucos, lidam com a deficiência como se essa precisasse de pena e comiseração.

3 - Alguns políticos tradicionais de esquerda associam a luta das pessoas com deficiência à uma “luta de classes”, na verdade, uma “luta de segmentos da sociedade”. Como militante da inclusão das pessoas com deficiência, do segmento menos visível socialmente, como percebe sua briga pessoal a favor das pessoas com deficiência intelectual?

Acho que o discurso ideológico da defesa dos direitos das pessoas com deficiência está muito próximo da defesa dos direitos humanos. Circunstancialmente esse é um discurso que acabou mais associado à esquerda, que se apropriou do mesmo. Direitos humanos não são nem de esquerda nem de direita.

Por outro lado, considerando que o atual discurso da direita liberal é o da competição e da lei do mais forte ou mais hábil, esse acaba considerando que as pessoas com deficiência são um estorvo para suas metas. Diga-se de passagem, não só as pessoas com deficiência, mas também os pobres, os analfabetos, os negros…

4 - Já sentiu vontade, alguma vez, de largar tudo? Porque?

Largar tudo não. O que não significa que, de vez em quando, eu não deixe de lado algumas formas de militância e, quando o faço, costumo trocá-la por alguma outra que me pareça mais adequada. Existem alguns princípios dos quais eu não abro mão, o principal deles é o de lutar pela inclusão de todos de forma irrestrita, então não me alio com quem, para manter seus privilégios exclusivos, defende pseudo-inclusões de caráter limitado, ou como costumam dizer, a “inclusão responsável”, que nada mais é do que fingir que está incluindo, quando só está oferecendo migalhas.

5 - Em que se traduz acessibilidade para pessoas com deficiência intelectual?

A principal barreira que é colocada diante das pessoas com deficiência intelectual é a de atitude. As pessoas partem do princípio que pessoas com DI nunca vão aprender, ou que não podem aprender qualquer coisa. E quando alguém acredita nisso, deixa de tentar ensinar, deixa de procurar recursos pedagógicos adequados. É preciso construir as “rampas” de aprendizagem, assim como um cadeirante não vai subir uma escada, a pessoa do DI vai precisar usar outros caminhos cognitivos para construir a aprendizagem.

Só que uma coisa legal disso tudo é o seguinte: as rampas não são boas só para cadeirantes, mas para idosos, obesos, mães com carrinhos de bebê….Da mesma forma, os caminhos pedagógicos não homogêneos, também são bons para todas as pessoas.

6 - Na hora de “brigar feio” com seu filho, já deixou de fazê-lo pensando em sua deficiência?

Eu só poderia poupar meu filho de uma bronca de pai se o motivo da bronca fosse decorrente da sua deficiência. Em 10 anos (a idade do Samuel), não houve nada que ele fizesse que eu associasse ao fato de ter síndrome de Down. Malcriação e desobediência não estão alojadas no cromossomo 21, risos.

7 - Acredita no futuro menos incerto, mais visível e justo para as pessoas com deficiência
intelectual?

Eu acredito num futuro muito diferente do que o presente. Mas não acredito em previsibilidade, até porque não acho que o futuro será previsível e confortável para nenhum de nós, o mundo não está melhorando. Mas acredito num futuro em que as pessoas com deficiência intelectual sejam, no mínimo, considerados como seres humanos e não ET´s vindos de Plutão. 8 - O que mais dói nessa luta, a dimensão dos limites da deficiência dessas pessoas, entre as quais seu filho, ou a relação da sociedade com elas?

O que mais dói não é nem uma coisa, nem outra. O que mais dói é assistir muitos pais de crianças com deficiência não prepará-las para a vida real. Ou porque são alheios à defesa dos direitos dos seus próprios filhos, ou porque acreditam nesse modelo de exclusão que nos é apresentado. Optam pela comodidade de encerrar as crianças em instituições que cuidam delas das 7 às 18, de forma que eles mesmos não tenham que se preocupar com isso. É verdade que isso não está acontecendo só com as pessoas com deficiência mas, para essas, isso representa a negação de qualquer chance de autonomia.

9 - Por fim, poderia nos dizer, por favor, algo a respeito do assunto como mensagem para todos?

Outro dia estive conversando com os professores de uma escola situada num bairro muito pobre de São Paulo. E constatei mais uma vez que inclusão não é coisa de classes favorecidas. Depende da família, depende da escola, depende da comunidade. Dá trabalho para todo mundo, mas tem suas recompensas.

Minha mensagem é muito simples: tirem as nádegas da cadeira, não esperem que as benesses caiam do céu mas lutem por direitos de todos, não privilégios de alguns.


Publicado originalmente no Blog do Bengala Legal, onde você pode ler vários comentários a respeito

Descrição da imagem : um rapaz que tenta se levantar, mas está com as nádegas presas em um sofá

Um comentário:

Braulio França disse...

Concordo com tudo! Inclusão total já!!! Todos merecem a mesma chance...Deus nos ama incondicionalmente!