quarta-feira, 25 de março de 2009

Melhor ator coadjuvante

Experimente ir a um teatro ou algum auditório de eventos.

Certamente você ainda vai encontrar muitos onde é impossível se chegar numa cadeira de rodas. Mas muitos outros estão acessíveis (com mais ou menos qualidade e conforto para a pessoa em cadeira de rodas, mas acessíveis).

Agora, tente se lembrar em quantos deles o palco era acessível. A pessoa com deficiência pode ser espectadora, mas não a estrela do espetáculo ou do evento. Também conheço muitas igrejas que são assim. Se você for cadeirante pode ser um dos fiéis, mas nunca o ministro. Os púlpitos não tem acessibilidade (será que não existem padres, pastores, rabinos...com deficiência ?)

Experimente frequentar os seminários, congressos, palestras sobre deficiência. Vai descobrir que eles são exatamente isso, sobre. Poucas são para as pessoas com deficiência, raros são aqueles com essas pessoas. Minha experiência extrema foi, certa vez, receber um convite para um seminário promovido por uma entidade que trabalha com pessoas cegas que não era acessível - para as pessoas cegas.

A luta pelos direitos das pessoas com deficiência já conquistou uma série de vitórias. Outras batalhas estão sendo travadas nos gabinetes legislativos e em tribunais. Também se luta com e contra a mídia, com e contra as escolas. Com e contra as próprias famílias das pessoas com deficiência que, por excesso de zelo e superproteção, muitas vezes mais atrapalham do que ajudam.

No entanto, ainda estão longe de conquistar o direito ao protagonismo. Existem concessões para serem audiência ou, no máximo coadjuvantes, mas nunca para serem os senhores do espaço (e quando isso acontece, geralmente é em eventos promovidos pelas próprias pessoas com deficiência).

Uma exceção são os "super-deficientes", aquele tipo que "apesar da sua limitação conseguiu ser vitorioso". A outra é a de serem a atração exótica : geralmente em espetáculos artísticos onde as pessoas com deficiência são aplaudidas não pelo seu desempenho, mas por um misto de comiseração e de reforço de auto-ajuda. Coitadinhos, tão bonitinhos.

Enquanto aceitarmos esse tipo de espetáculo bisonho como sendo um prêmio (quando na verdade é uma esmola), enquanto continuarmos a valorizar mais os chamados "especialistas" do que as próprias pessoas que vivem diariamente com sua deficiência. Enquanto fizermos discursos com belas palavras de ordem ou slogan publicitários sem a prática dos mesmos, continuaremos a ser cidadãos de segunda classe.

Não faz sentido esperarmos que o protagonismo caia do céu. Ou o conquistamos ou assumimos que somos incompetentes para tanto. O que passar disso é pura hipocrisia.

domingo, 15 de março de 2009

Chamada Geral

Banner para o Dia Internacional da síndrome de Down 2009, onde no primeiro frame aparece a logo do World Down Syndrome Day - o número 21 em alusão ao cromossomo 21 fechado como um coração onde aparece o mapa-mundi. No segundo frame, aparece a logo da FBASD, no terceiro a logo do WDSD traduzida para o português e no último o tema deste ano: inclusão para a autonomia.

A programação do Dia Internacional da Síndrome de Down está riquíssima. Parabéns a todos os envolvidos na organização dos mais diversos eventos.

No entanto gostaria de chamar a atenção de todos para uma coisa que acho muito importante, que é a grande oportunidade de influenciar políticas públicas.

Vários dos eventos serão em casas legislativas e/ou com a presença de parlamentares e gestores executivos.

A grande maioria dessas pessoas não tem muito (ou nenhum) contato com o movimento em defesa das pessoas com deficiência e ela precisam saber que nós existimos, que somos eleitores e que não somos poucos.

Façam um esforço pessoal para marcar presença nesses eventos, levem seus filhos, demonstrem que queremos direitos e não privilégios assistencialistas. Se você não tem ninguém com SD em casa, mas participa da luta pelos direitos das pessoas com deficiência, compareça também. Juntos somos todos mais fortes.

A programação de cada cidade pode ser lida

No blog da FBASD

No site da Agência Inclusive

Participe da programação de sua cidade. Se não tiver programação, vá até aquela que for mais próxima de você.

Só não fique fechado dentro de casa esperando as notícias, nem que a solução dos problemas pelos quais lutamos caia do céu.

Um abraço

Fábio Adiron

sexta-feira, 13 de março de 2009

Duas faces da educação especial

Tenho de admitir que a educação especial anda me surpreendendo. Para o bem e para o mal

De uma lado vejo escolas que se dizem democráticas, modernas e sem preconceitos perpetrando barbaridades que fariam os próceres da educação especial corarem de vergonha.

De outro, com muita satisfação, tenho recebido notícias frequentes de entidades que foram construídas com base na segregação e estão andando em ritmo de fórmula 1 na defesa do direito à educação das pessoas com deficiência.

Uma mãe me copiou um diálogo que teve com a escola onde está a sua filha. A menina está há três anos na escola e até o momento teve desenvolvimento pedagógico igual a zero. Alguém pode alegar que ela tem uma deficiência "severa" o que dificultaria o aprendizado. Isso não deveria servir como desculpa, afinal, para que serve a dita educação especial se não é para lidar com os casos mais complexos ?

No entanto, o que realmente tem dificultado o seu aprendizado é o fato de que a escola não ensina nada. A menina poderia estar alfabetizada, usando o computador como tecnologia assistiva, tendo acesso a conteúdos curriculares. Mas, ah...a coitadinha é "deficiente severa" e, a escola, que se diz especialmente qualificada para atender esse público, funciona apenas como um espaço de ocupação de tempo das crianças que estão por lá.

Se não bastasse todo esse circo de horrores, questionada pela mãe, a coordenadora se disse "a favor da inclusão. Mas que a decisão de incluir é dos pais e não da escola..." (e torcendo para que pais esclarecidos não tomem essa atitude, senão a escola vai fechar).

Nem todas as notícias são ruins. Tem muita gente grande por aí que entendeu que educação especial não é depositar crianças em salas com massinha e material de pintura. Aliás, descobriu que educação especial não é ter uma escola, mas dar apoio especializado às escolas comuns.

Literalmente estão fechando as portas das escolas. Não das instituições (que, aliás, prestam uma série de outros serviços, especialmente de saúde), como alguém poderia imaginar.

Num primeiro momento têm de enfrentar a fúria de muitos pais que preferiam seus "filhinhos especiais" num lugar onde eles pudessem passar o dia sem dar trabalho para eles, pais.

Também estão ouvindo toda a choradeira dos professores municipais que estavam alocados na escola especial em bairros agradáveis e que agora vão ter de trabalhar até em escolas da periferia...

Apesar disso, estão trabalhando seriamente na colocação de seus ex-alunos em escolas comuns (algumas já colocaram todos). E não pense que essas entidades estão oferecendo atendimento educacional especializado no contraturno dos alunos, o que elas estão fazendo é dar apoio para que as próprias escolas comuns dêem conta do recado.

As pseudo-escolas especiais não vão desaparecer, é verdade, afinal sempre teremos pseudo-pais que se valerão desse tipo de serviço de empurra-empurra.

Por outro lado, quem leva a educação à sério só vai se fortalecer. E ajudar a criar seres humanos com direitos humanos e autônomos.

Descrição imagem : jovem com paralisia cerebral (encefalopatia) séria, na seu cerimônia de formatura numa escola comum.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Eu mordo, tu mordes, ele morde

Para o Ducho e seus bons dentes

A situação não é inédita, muito pelo contrário, é tristemente recorrente.

Aconteceu numa escola do interior do estado de São Paulo : um moleque de 4 anos mordeu um colega. Até aí nada mais costumeiro. Tapas, beijos, mordidas, arranhões e puxões de cabelo são lugar comum nas salas de educação infantil.

Só quem nunca teve filhos é que não sabe disso. E quem tem mais de um sabe que nem precisa ir para escola, isso já rola em casa mesmo.

Aí a escola (deve ser uma escola muito nova, com diretores, coordenadores e professores totalmente inexperientes) ligou para a mãe do moleque para saber como é que eles iam explicar o fato para o pai da criança mordida.

Pior, sugeriram para a mãe do mordedor que ele deveria ser rebaixado para uma classe de crianças mais novas que ele (essa parte eu não entendi muito bem, será que numa classe com menores ele vai morder menos ? ou será que os menores tem a carne mais dura o que desestimularia o hábito de morder?).

Se existir alguma lógica nisso, eu imagino que se ao invés de morder ele tivesse sido mordido, ele deveria ser promovido para uma classe com os mais velhos.

O que acontece é que o menino com os caninos afiados tem síndrome de Down, o que deve tornar suas mordidas totalmente diferentes de todas as demais crianças. Provavelmente devem ser mordidas especiais. Talvez até excepcionais.

Imagino que a diretora deve ter ficado preocupada que a síndrome fosse contagiosa e precisasse avisar o pai do mordido que era bom procurar um médico. A coordenadora deve imaginar que as crianças que tem a trissomia do 21, e mordem, precisam ser pedagogicamente retidas ou que devam ser objetos de atendimento educacional especializado.

Imagino que o raciocínio seja bem mais simples de compreender. Junte uma dose de ignorância com uma dose de preconceito e você sempre vai ter gente achando que as pessoas com deficiência não fazem exatamente as mesmas coisas que as pessoas sem deficiência.

Só que, no caso desses últimos, é uma atitude comportamental corriqueira e, dos primeiros é decorrência da deficiência.

Pais de crianças com síndrome de Down, um alerta : não deixem de procurar o geneticista mais próximo para fazerem um cariótipo dental da molecada, talvez isso explique algo.

Ou procurem escolas com profissionais de educação que saibam lidar com crianças.

Descrição da imagem : desenho de uma placa de sinalização mostrando uma boca cheia de dentes e o aviso : Cuidado mordidas!