quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Toma que o aluno é teu

A primeira vez que eu vi essa prática foi em Buenos Aires há uns dez anos.

Estava num táxi e, olhando para um parque, reparei num fato curioso. O motorista deve ter notado minha expressão de surpresa e me falou : "- São passeadores de cachorros, as pessoas pagam para que alguém leve seus cães para passear e fazer as necessidades".

Lembro que, já naquela época, me perguntei que tipo de pessoa que tendo um cachorro, terceiriza as atividades mais básicas da relação dono/mascote ?

Não demorou muito, comecei a ver a mesma cena nas ruas de São Paulo. Rapazes e moças atléticos (se não o fossem não teriam braço para segurar tantos bichos) caminhando com 4 ou 5 cães. Já cheguei a ver um com 8 ao mesmo tempo.

E ainda não consegui entender porque alguém se dá ao trabalho de comprar um cachorro...para pagar alguém que cuide dele. Até parecem certas famílias que terceirizam os seus filhos...

Logo de cara pagam para que alguém tome conta dos miúdos, afinal esse pais não podem mudar seus estilo de vida só porque esses pequenos seres irromperam nas suas vidas.

Não demora muito para chegarem no auge da terceirização. A escola.

Não que a educação formal deva ser provida pelos pais. Lugar de ensino e aprendizagem é dentro das classes. E cabe à escola a tarefa de ensinar.

Mas a escola virou o lugar onde as crianças vão tirar as fraldas, onde espera-se que descubram que a vida tem limites.

Também é na escola que muitos pais depositam suas esperanças de que as crianças aprendam a usar os talheres, a se comportar em público e até terem sua orientação religiosa.

Aí a escola passa a ser provedora também de uma série de serviços que nada têm a ver com a educação. Transforma-se em espaço terapêutico, centro de apoio moral e psicológico.

Os professores, ao invés de se dedicar à pedagogia, passam a ser capacitados em diagnósticos clínicos e comportamentais.

Os professores que sejam, atléticos o suficiente para, além das suas funções pedagógicas, darem às crianças tudo aquilo que lhes é negado nos lares.

No fundo, viramos passeadores de....crianças.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Toma que o filho é teu

Esse texto é dedicado à Mônica, à Dulce, à Selene, à Suely, à Lígia, à Priscila, à Karina, professoras do Samuel e de mais duas ou três dezenas de outros alunos junto com ele. À Pat Karst Caminha, à Mara Sartoretto e a todas as demais anônimas que acreditam que inclusão acontece pelas mãos delas, dentro da sala de aula, com todas as crianças.

Assim não dá. Pensam que eu sou de ferro ou que tenho o dom da onipresença. Vou me queixar à secretaria extraordinária de Relações Paternais.

Imaginem só a minha situação. Eu trabalho mais do que a jornada oficial naquilo que é a garantia do meu sustento. Além disso, dou aulas à noite e, não poucas vezes aos sábados. Também tenho outras atividades voluntárias mas, como tal, não posso me queixar delas.

Minha vida já era complexa e eu resolvi casar e, dentro do casamento, tive filhos. Vocês sabem, ter filhos não é uma coisa fácil (fazê-los sim, mas essa é outra história), é preciso cuidar deles, alimentá-los, vestí-los, peregrinar em médicos a cada gripe, brincar e dar educação - a única forma que eu conheço de prepará-los para vida.

E não é que justo na minha classe, digo, na minha casa, veio parar uma criança com deficiência ?!? Tudo bem, já tentaram me convencer que é um anjo (contestei com argumentos teológicos que não é), que isso é excepcional, que pode acontecer em qualquer lugar (se pode acontecer com tanta frequência, então não é exceção) ou de que eu sou um pai especial - imagino que o resto da família seja todo formado de pessoas ordinárias...

Me pergunto sempre : o que é que eu posso fazer por esse alienígena que surgiu na minha vida? Como é que vou dar conta dele e do resto da família?

Tanta gente me falando que é uma questão de atitude, de valorização da diversidade...mas a pimenta não está nos olhos deles.

Imagine só que outro dia meu filho me desobedeceu, brigou com a irmã e, se eu não sou esperto era capaz de jogar areia numa outra criança no playground.

Por isso tenho de bater o pé e reclamar os meus direitos (se ele quiser os dele, ele que se defenda), a partir de agora eu quero me forneçam um "pai auxiliar".

Claro que não pode ser qualquer um, eu quero um pai auxiliar com habilitação de especialista. Senão como é que ele vai poder entender os laudos e as necessidades especiais desse meu filho?

E não me venham com essas coisas de pai de apoio em contraturno. Quero um auxiliar exclusivo para a minha casa.

Um auxiliar que me permita dar a atenção que os filhos sem deficiência precisam, caso contrário eu os estarei excluindo.

Um auxiliar que não deixe que o barco do casamento e dos filhos ordinários naufrague.

Um auxiliar que esteja preparado, pois eu não fui preparado para lidar com essas crianças (nem consegui entender o laudo que falava de CIF não sei o que...). Até fui nuns cursos de formação, mas achei tudo uma demagogia.

Um auxiliar que entenda técnicamente da síndrome do meu filho, afinal, deve existir uma paternologia específica para cada cromossomo que ele tem a mais.

Mas um auxiliar que não esqueça que o pai regente sou eu... senão vai ter encrenca.

Quando é que vão entender que pai comum lida com filho comum? Que os especialistas cuidem dos especiais. Ele são tão estranhos, não é mesmo ?

Que as faculdades comecem a preparar os futuros pais para essa realidade, agora, nós pais mais antigos não merecemos essa árdua missão, a menos que estejam querendo me castigar pelos meus pecados.

Que a secretaria paternal crie leis, decretos, normas e portarias que garantam o fornecimento gratuito de pais especialistas como auxiliares de todos os pais comuns e, de preferência ainda me pague um extra pela dor de cabeça.

Ou, pelo menos, que me expliquem como é que tem outros pais por aí que estão dando conta do recado.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Yo no creo en brujas


Eu não sou um cara supersticioso. Não acredito em sorte ou azar. Nem em forças ocultas.

Mas existem dias que me lembram um ditado espanhol que diz que "eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem".

Hoje foi um dia daqueles e os supersticiosos podem me alertar que 6a feira 13 vai ser só daqui a 7 dias.

Eu participo de diversas listas de discussão sobre deficiência e inclusão. Distribuo notícias sobre esses temas. Logo, recebo muitas mensagens pedindo divulgação.

O dia começou com um seminário onde uma diretora de escola especial (daquelas bem antiquadas e segregadoras) vai falar sobre inclusão. Já fiquei com a cabeça cheia de interrogações, mas não pretendo ir assistir para saber como ela faz essa mágica.

Ainda não tinha me recuperado dessa notícia quando veio uma sobre o lançamento de um livro sobre o "Excepcional". Organizado por uma das nossas maiores universidades. A definição de excepcional, caso não saibam é todo aquele que necessita de recursos auxiliares para adaptar-se a sociedade, ou seja, um modelo baseado na integração, onde a pessoa com deficiência que precisa se adaptar ao meio e não o contrário (que seria inclusivo).

É um termo bastante moderno e atual, como todos sabem. O último livro que encontrei com essa terminologia (antes desse, é claro) é de 1986. Nada mudou em 23 anos, por isso mesmo os autores se referem a deficiência mental (ao invés de intelectual)

Por desencargo de consciência fui no site da editora. Claro, nenhuma opção de acessibilidade.

O dia ainda estava pela metade...

E chegou uma história de mãe. Legal, bonitinha, mostrando as aventuras, desventuras e conquistas. Dentre muitas, uma em relação à escola pública me chamou a atenção : "desisti claro e fui bater em outra freguesia". Claro que desistir sempre é mais cômodo. Deixar a criança em casa e pagar professores particulares é uma alternativa muito inclusiva (especialmente para quem tem dinheiro para isso). Um modelo de militância inclusiva, não acham ?

No final da tarde chegou a cereja do bolo. Inclusão através do esporte. Não que o esporte não possa ser inclusivo, mas esse não era, apesar de usar o termo inclusão em letras garrafais. Aulas de artes marciais só para pessoas com deficiência intelectual (num dos casos especialmente para pessoas com síndrome de Down). O que tem de inclusivo um tatame só de pessoas com SD?

Se alguém souber de um Todome-waza do cromossomo 21 me avise. Sou sedento de aprender coisas novas.

Ainda não são nem 7 da noite e eu já estou pensando em desligar meu computador. Se continuar assim, daqui a pouco é capaz de eu receber a propaganda de um manicômio inclusivo....

Descrição de imagem : desenho de uma bruxa típica, voando numa vassoura

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Mais que legal

A internet está densamente populada de sites, chega mesmo a estar poluída de páginas e páginas cujos conteúdos não fariam nenhuma falta para a humanidade.

Isso acontece em qualquer categoria de temas. Quer saber sobre catabólitos ? Vai encontrar 6.080 páginas que citam os mesmos. Se arrisca num tema mais amplo como educação? O Google aponta para mais de 58 milhões de páginas (e só usei o termo em português). Mesmo sobre temas mais específicos como deficiência e inclusão os resultados mostram cifras assustadoras.

Por outro lado existem sites de pessoas que não deixam de batalhar nunca e, como diria Bertold Brecht, esses são os imprescindíveis. Não é a toa que essa citação foi colada na página de entrada da Bengala Legal, o site do MAQ (Marco Antonio Queiroz) que, no dia de hoje, completa 9 anos.

Não me lembro exatamente como foi que eu fui parar a primeira vez no site, nem quando foi. Sei que, depois que conheci, nunca mais deixei de voltar com bastante regularidade, seja para ler as novidades que surgem, seja para pesquisar sobre as mais diversas questões relacionadas com as muitas exclusões com as quais convivemos.

Foi lá que tive as minhas primeiras aulas de acessibilidade digital. E não poderia ter melhor professor, afinal o criador e síndico do espaço é uma pessoa cega. No entanto, é uma pessoa que consegue ir muito além do círculo restrito da sua deficiência. E abriu as páginas para que todos pudessem informar e se informar.

Mais que isso, passou a ser o espaço onde muitos podem mostrar o que estão fazendo em prol da inclusão, acessibilidade, desenho universal, empoderamento, mobilidade urbana, direitos, relação familiar e social, saúde, psicologia, sexualidade, trabalho e emprego das pessoas com deficiência.

Manter, atualizar, repaginar, recodificar um site desses durante 9 anos não é trabalho para qualquer um. O MAQ é, literalmente, um gigante. Não só na sua altura (tive o grato prazer de conhecê-lo pessoalmente e ele é grande mesmo), mas um gigante na persistência, na consistência dos seus ideais, no seu caráter e na sua coerência.

Que esses sejam apenas os primeiros 9 anos de muitos.

MAQ, parceiro de lutas, de textos e de vida : meus parabéns. Você muito mais que legal.

Descrição da imagem : logotipo do site Bengala Legal.