quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Estamos em férias

O ano de 2008 foi cheio de idéias que se espalharam em todos os meus blogs. Durante 366 dias foram 447 publicações sendo

39 textos aqui no Inclusão: ampla, geral e irrestrita (além de mais uma coleção de textos escritos por convidados)

310 textos no Mens Insana

61 textos no Calvinistas, graças a Deus

37 textos no Espicaçando o Marketing ( além dos textos do Volney e de outros escritos por convidados)

Acredito que você possa aproveitar as minhas férias para colocar suas leituras em dia....risos

Um abraço aos meus leitores e comentaristas. Volto no final de janeiro.

Fábio Adiron

Educação, valores humanos e a deficiência intelectual


Liliane Garcez – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e membro da Comissão Executiva do Fórum Permanente de Educação Inclusiva.
Fábio Adiron – Comissão Executiva do Fórum Permanente de Educação Inclusiva e 1º. Relações Públicas da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada neste ano pelo legislativo nacional, reafirmou o que já estava disposto em várias de nossas leis: que todas as pessoas têm direito à educação em todos os níveis por ser esta um direito do qual não se pode abrir mão. Esta afirmação reitera que todos somos cidadãs e cidadãos plenos da sociedade.

A deficiência intelectual, assim outras características humanas, constitui parte integral da experiência e da diversidade humana. A deficiência intelectual é entendida de maneira diferenciada pelas diversas culturas o que faz com que a comunidade internacional reconheça para essas pessoas, seus valores universais de dignidade, autodeterminação, igualdade e justiça para todos. Entretanto, como temos conhecimento, esta não foi a visão que embasou o surgimento de instituições, principalmente a partir dos anos 1970, e, sua manutenção até hoje, com o objetivo de fazer uma espécie de preparação ou normalização da pessoa com deficiência com vistas a possibilitar seu re-ingresso na sociedade. Tais entidades foram planejadas e desenhadas para promover a responsabilidade e enfatizar um grau significativo de auto-suficiência da pessoa com deficiência, por meio do trabalho ou do preparo para o trabalho, envolvendo treinamento e educação especiais, bem como um processo de colocação cuidadosamente supervisionado. Ou seja, uma visão tutelar, que a partir de um processo de exclusão inicial, ainda que aparentemente provisório, seria ponte mais aconselhável, quando não imprescindível, para a re-inserção social das pessoas com deficiência.

Hoje, estes dois paradigmas estão em disputa, dado que esta re-integração ou re-inserção prevê enquanto etapa uma segregação inicial, o que não tem compatibilidade com o movimento de inclusão. Ao contrário, é o rompimento da idéia de integração que possibilita a reafirmação da noção de inclusão, entendida como a quebra imediata de barreiras de convívio entre os seres humanos. São dois sistemas e pensamentos conflitantes em termos de seus pressupostos e que, na atualidade, co-existem socialmente. Hoje, por exemplo, é notório observar que a sociedade ainda não abriu mão dos instrumentos de controle sobre essa população dado o domínio de órgãos estatais, consultivos ou executivos, por aqueles que têm interesses econômicos na manutenção da dependência das pessoas com deficiência às instituições; na edição de leis importantes que, mesmo não interferindo em atribuições exclusivas de outros poderes, vinculam sua aplicação à regulamentação posterior e no adiamento indeterminado de regulamentação de leis que permitem o acesso das pessoas com deficiência à informação, à cultura e à educação; na disputa de instituições contra os movimentos inclusivos, sob a alegação que a sociedade, e as escolas, não estão preparadas para lidar com essas pessoas.

Voltemos, então, à afirmação constante na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência de 2006 e que já estava presente em declarações anteriores como Montreal e Guatemala, de que todo somos cidadãos plenos dado que características humanas não podem servir de justificativa para a segregação, atitude esta definida como preconceito? Recorramos à noção de desigualdade para discutir essa questão. Parece que não dúvida em relação à afirmação de que somos naturalmente diferentes, ou seja, que a desigualdade é própria da espécie humana, e, portanto inerente a todas as pessoas. A despeito dessa desigualdade natural, nós, seres humanos, possuímos mais coisas em comum do que diferenças, ou seja, biologicamente somos todos semelhantes com pequenas variações.

Essa desigualdade natural é muitas vezes aparente, quando observamos os aspectos físicos, e outras tantas, não. De qualquer forma essa variação é objetiva, perceptível de uma forma ou de outra e não carrega consigo um juízo de valor. Por outro lado, há uma segunda idéia acerca das desigualdades: as sociais. Como o nome explicita, são socialmente construídas, carregadas de juízo de valor e podem mudar de acordo com o local ou com a época da história. Essa espécie de julgamento social estabelece uma hierarquia entre seres humanos onde alguns são considerados ideais, os que ocupam o topo, e os demais, classificados comparativamente, vão sendo distribuídos nos níveis inferiores da pirâmide. Cada um de nós constrói seus parâmetros a partir das relações que estabelece em casa, na escola, nos grupos de amigos. E, por conta de uma educação que tem naturalizado essa olhar classificatório ao longo de muitos anos, mesmo que não usemos essa terminologia, olhamos para as pessoas com deficiência como cidadãos de 2ª. 3ª ou 4ª categorias. Pessoas que, em nosso pensamento, são inferiores, pois estão cheias de defeitos em relação a nós mesmos.

Quando encontramos uma pela frente, nosso olhar, nosso sentimento e pensamento se direcionam imediatamente para aquilo que elas têm de déficit, de inferior, para aquilo que elas (pessoas) precisariam corrigir em si mesmos para poderem se tornar um de nós – seres de primeira. O curioso é que também estamos sujeitos a esses julgamentos, ou seja, o reverso acontece simultaneamente conosco: dependendo do lugar onde está, qualquer pessoa que era (ou se julgava) de primeira linha pode tornar-se um ser de segunda ou de terceira, pois isso sempre variará segundo o ponto de vista de quem olha e avalia. Por este motivo podemos dizer que esse olhar deficitário é uma questão ideológica. O que se esconde atrás dessa atitude é a rejeição da diversidade como valor humano, que tem como conseqüência a perpetuação dos preconceitos entre as pessoas, determinando a priori que essas desigualdades são insuperáveis e que o mundo é um lugar para alguns tipos de seres humanos. Essa incompreensão da diversidade como valor implica que nós educadores pensemos que os processos de ensino deveriam ser divididos de acordo com a escala hierárquica de cidadania que construímos na nossa sociedade. Passamos a acreditar que é melhor que existam especialistas em lidar com crianças de rua, outros que entendam de pessoas com deficiência (nesse caso vários – um para cada tipo de deficiência), pessoas que sabem ensinar em cárceres. Da mesma forma que, no passado, a sociedade defendia com veemência a necessidade de escolas separadas para meninos e meninas para o bem de ambos. E, não sem muita luta, esta certeza foi desconstruída. Se antes, várias pessoas não tinham acesso à educação, pois eram vistas como ineducáveis, paulatinamente foi sendo erigida a preocupação social pela sua educação, que seria mais “aconselhável” acontecer de forma paralela à educação regular com justificativa semelhante: de resguardar e atender melhor aquelas crianças já tão sofridas.

Como já mencionado, atualmente, embora se proponha que todos os alunos devam estudar juntos em escolas regulares, são muitos os que se colocam como despreparados para esse exercício de convivência, perpetuando, como educadores, esse sistema de castas de aprendizagem. Essa prática discriminatória é, portanto, uma forma de manter a tutela sobre aqueles que a sociedade considera inferiores. Em outro exemplo, chegamos a defender que a escola pública é boa mesmo para os pobres. Isso não seria um reflexo da nossa crença de que há uma elite, que, por sua capacidade superior, deve conduzir esse monte de gente ignorante que existe por aí? Por outro lado, esse pensamento abre não a possibilidade que na escola pública admitamos um ensino de segunda ou terceira categoria dado o público alvo?

Os relacionamentos com as pessoas com deficiências, pobres e outros grupos em desvantagem social, assim, ainda se orientam por conseguir alcançar comportamentos sociais controlados, quando deveriam ter como objetivo que essas pessoas adquirissem cultura suficiente para que pudessem conduzir sua própria vida. Ainda vivemos em um modelo assistencial e dependente quando deveríamos buscar um modelo competencial e autônomo. É um modelo baseado no déficit, que destaca mais o que a pessoa não sabe fazer do que aquilo que ela pode realmente fazer, confundindo diferenças naturais com valores sociais, ideologizando a questão: é a não-aceitação da diversidade como valor humano e a perpetuação das diferenças entre as pessoas que estabelece essas diferenças como dados de realidade e não passíveis de serem transpostos pessoalmente e socialmente.

A sociedade inclusiva é aquela onde o modelo das relações subverte essa lógica, e por esse motivo não é uma continuidade ou evolução do mesmo modelo. Nela, há o investimento social para que as pessoas adquiram e desenvolvam estratégias que lhes permitam resolver problemas da vida cotidiana e aproveitar as oportunidades que a sociedade pode oferecer. Às vezes, essas oportunidades lhes serão dadas, mas, na maioria das vezes, terão que ser edificadas e, nessa construção, as pessoas com deficiência têm que participar ativamente – o que é mais um ponto significativo da declaração que propõe a participação das próprias pessoas com deficiência intelectual na construção de políticas públicas.

A cultura da diversidade é uma maneira de viver que parte do respeito à diversidade como valor. E diversidade não é um determinado grupo, e sim as diferenças que constituem o grupo humano. É a cultura da diversidade que vai nos permitir construir uma escola de qualidade, uma didática de qualidade e profissionais de qualidade para todos. Nela a quantidade e a qualidade não estão dissociadas, dado que se referencia nas necessidades contextualizadas e se aprimora pela participação social. É nesse compartilhar constante entre profissionais, familiares e comunidade atentos a inclusão cultural e social de todos que se constrói o aprimoramento da educação e da sociedade!

Referências Bibliográficas

Brasil. DECRETO nº. 186, de 09 de julho de 2008. Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das pessoas com deficiência e do seu protocolo facultativo. Nova Iorque, 2007.

Brasil. DECRETO nº. 3.956, de 08 de outubro de 2001. Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Guatemala, 1999.

Declaração Internacional de Montreal sobre a Inclusão. Congresso Internacional “Sociedade Inclusiva”. Montreal, 2001.

GARCEZ, Liliane. Da Construção de uma ambiência inclusiva no espaço escolar. Dissertação de Mestrado. FEUSP, 2004. São Paulo.

Descrição da imagem : cartoon de um grupo de pessoas com e sem deficiência posando para um fotógrafo


segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Direitos humanos, educação e as Pessoas com deficiência

clique na imagem e acesse o texto do livro
Liliane Garcez – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e membro da Comissão Executiva do Fórum Permanente de Educação Inclusiva.
Fábio Adiron – Comissão Executiva do Fórum Permanente de Educação Inclusiva e 1º. Relações Públicas da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down


O ano de 2008 tem adquirido significado importante no que diz respeito ao refinamento e reafirmação da necessidade de promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas, com ou sem deficiência. Há 60 anos, a humanidade elaborava sua Declaração Universal dos Direitos Humanos após as atrocidades que cometemos uns contra os outros durantes as duas guerras mundiais. Comemoramos também 20 anos de nossa Constituição, após anos de regime militar. No presente anos ainda ratificamos com quorum qualificado a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, depois de décadas de segregação dessa parcela da humanidade. Esses movimentos de pressão social que resultaram e resultam em avanços legais, apontam que no Brasil temos elaborado muitas leis e decretos a fim de dar conta de forma cada vez melhor desse direito de todos.

Neste sentido, ainda que a Convenção afirme em seu preâmbulo a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como a necessidade de que todas as pessoas com deficiência tenham a garantia de poder desfrutá-los plenamente, sem discriminação, temos a necessidade de, ao pensarmos em políticas públicas, analisar cada componente desse direito a fim de elaborar um conjunto de objetivos e metas para dar conta das responsabilidades que estão implicadas nesse caminho. Concernente a essa preocupação, a própria Convenção estabelece em seu Artigo 24, as questões referentes à Educação como direto, com base na igualdade de oportunidades e sem discriminação. Para efetivar esse direito, os Estados Partes deverão assegurar um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida, com objetivos que podemos agrupar em três blocos. O primeiro pode ser entendido como aquele que descreve objetivos próprios da educação para todas as pessoas, com ou sem deficiência. Um segundo bloco, diz respeito a uma gama de direitos que estão postos para dar conta de um processo de exclusão histórico, que devem ser pensados para todos os grupos historicamente excluídos e desta forma, variam conforme a localidade, a região. São grupos que são lembrados quando nos perguntamos, quem são os excluídos deste lugar, quem não tem acesso ao que é produzido socialmente de forma autônoma? E, finalmente, um terceiro conjunto de pontos que tratam dos apoios específicos relativos aos tipos de deficiência que, obviamente, não podem ser lidos desarticulados ou apartados dos dois blocos anteriores.

Neste sentido, o que o Brasil vem fazendo em termos educacionais já está determinado tanto na Constituição Federal de 1988 quanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96, fazendo valer que o princípio tem primazia sobre as regras em termos de direito. As políticas nacionais já estão voltadas a dar conta dessa questão há pelo menos vinte anos. Tendo como foco a educação dos estudantes com deficiência, deve ser citado o Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, desenvolvido desde 2003 pelo Ministério da Educação, que tem como diretriz justamente acabar com a separação entre educação especial e educação comum.
Esta proposta de re-organização da educação nacional tem gerado muita discussão, com argumentos que por vezes reforçam uma compreensão dual da educação, que reafirma a idéia do “ou isso ou aquilo”. Como se tivéssemos que escolher entre defender a educação comum ou a educação especial. Entretanto, se o princípio geral é a busca pela efetivação do direito de todos a uma vida digna, na educação há que se romper a entre especial e comum na educação. O MEC, ao longo desses 05 anos optou pelo trabalho de formação dos mais de 5.500 municípios brasileiros para que, na ponta, sejam desenvolvidas ações para dar conta desse objetivo. E, em janeiro de 2008 lançou o documento Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva que organiza as diretrizes. Nele fica claro que não haverá o fim da educação especial enquanto modalidade de ensino e enquanto campo de conhecimento. O que deve terminar é a necessidade de escolha entre a educação comum e a especial, uma vez que para dar conta da educação integral da pessoa com deficiência é necessária tanto a primeira como o atendimento educacional especializado. Ações que, portanto, não podem competir entre si, pois senão há o risco permanente de continuarmos substituindo o pleno pelo parcial, designando o que e onde uma pessoa com essa ou aquela deficiência ou dificuldade deve aprender. O que a Política Nacional direciona é que devem acabar os espaços segregados de educação, pois a educação é instrumento de autonomia e não se constrói autonomia fora de espaços sociais, no caso, a escola comum. Temos o direito à diversidade entendida como valor humano. Cabe aqui ressaltar que falar em vida independente para crianças não tem sentido, mas, ao adotá-la como objetivo na idade adulta significa estabelecer um processo de construção de autonomia que está imbricado com o processo educativo. Vida independente não significa abrir mão de informações qualificadas, mas ao contrário, de posse delas fazer escolhas. Essa sem dúvida é uma das funções da escola, entendida como um espaço comum que informa e discute sobre questões relevantes a todos os nós, cidadãos. Na convenção, este princípio está assim disposto: “Os Estados Partes deverão assegurar que as pessoas com deficiência possam ter acesso à educação comum nas modalidades de: ensino superior, treinamento profissional, educação de jovens e adultos e aprendizado continuado, sem discriminação e em igualdade de condições com as demais pessoas.
Para tanto, os Estados Partes deverão assegurar a provisão de adaptações razoáveis para pessoas com deficiência”. Desta forma reconhecem-se as diferenças e com elas a necessidades de apoios diferenciados para cada pessoa e cumpre-se a Constituição Federal de 1988 que determina que todos realizem seu direito à educação. Para finalizar, gostaria de abordar um último aspecto: a formação dos educadores. A Convenção explicita a premência de ações que dêem conta dessa questão: “A fim de contribuir para a realização deste direito, os Estados Partes deverão tomar medidas apropriadas para empregar professores, inclusive professores com deficiência, habilitados para o ensino da língua de sinais e/ou do braile, e para capacitar profissionais e equipes atuantes em todos os níveis de ensino. Esta capacitação deverá incorporar a conscientização da deficiência e a utilização de apropriados modos, meios e formatos de comunicação aumentativa e alternativa, e técnicas e materiais pedagógicos, como apoios para pessoas com deficiência”. Entendemos que esta formação não pode repetir um modelo que queremos enfraquecer nos espaços educacionais, no qual alguns sabem e outros devem repetir o que ouviram, sem necessariamente estarem implicados no processo. Se não há aluno “ideal” também não há professor “ideal”. Desta maneira, defendemos a importância de um espaço de interlocução onde informação e diálogo compõe o conceito de formação e não podem ser separados de forma nenhuma se entendemos que somos todos protagonistas. Assim, por termos escolhido a Educação Inclusiva como tema comum de debate e construção, acreditamos que com a troca de informações por meio do diálogo possamos construir ordenamentos jurídicos e políticas públicas com o objetivo de garantir os direitos das pessoas com deficiência. Ampliando um pouco o lema do movimento: nada sobre nós, sem nós e nem somente conosco.

Referência Bibliográfica

Brasil. DECRETO nº. 186, de 09 de julho de 2008. Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das pessoas com deficiência e do seu protocolo facultativo. Nova Iorque, 2007.

Brasil. DECRETO nº. 3.956, de 08 de outubro de 2001. Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Guatemala, 1999.

GARCEZ, Liliane. Da Construção de uma ambiência inclusiva no espaço escolar. Dissertação de Mestrado. FEUSP, 2004. São Paulo.

Descrição da imagem : capa do livro Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, uma foto de mastros com bandeiras de diversos países. Clicando sobre a foto pode-se fazer o download do livro

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Seres nada imaginários


"Eu também tenho mais de 20 anos de educação especial. A diferença é que eu olho para frente e não para trás." Profa Maria Tereza Égler Mantoan.

No seu "Livro dos seres imaginários" o argentino Jorge Luís Borges descreve uma ave que, segundo ele, faz parte da mitologia do madeireiros americanos. Trata-se do Goofus Bird, pássaro que constrói o ninho ao contrário e voa para trás, porque não lhe importa aonde vai, mas sim onde esteve.

Se você se arriscar a fazer uma busca na Internet vai descobrir que não existe nem a lenda, nem o pássaro. Apenas a maravilhosa imaginação de Borges.

Mas se você se aventurar pela seara da educação vai perceber como a população de Goofus está espalhada em todos os cantos. Chega a ser onipresente, não importa de que habitat estejamos falando. Temos Goofus em todos os países, em todas as regiões. Os bichos se espalham transversalmente desde a educação infantil até os níveis mais elevados do ensino.

Pássaros dessa penagem defendem a decoreba da tabuada, preceituam apostilas, acham que avaliação é um instrumento de competitividade. Alguns até reclamam que o problema das escolas é a universalização do ensino. Todos acreditam que só existem dificuldades de aprendizagem, pois a culpa do mau desempenho é sempre de quem aprende.

Bom mesmo era o passado quando só os privilegiados tinham acesso ao conhecimento.

Nos debates inclusivos, a presença dessa variedade ornitológica chega a ser assustadora. A defesa da segregação como solução educativa para as pessoas com deficiência, a patologização da pedagogia, a idéia de que esses seres não tem capacidade para aprender, exceto as tarefas repetitivas, a fala da pseudo-responsabilidade são ouvidas em todos os pontos cardeais. Imagino que seja esse o som do canto do Goofus.

Claro, sem esquecer o eterno discurso de que não podemos esquecer o nosso passado. E o que trouxe o passado para as pessoas com deficiência educadas em espaços segregados?

Trouxe o analfabetismo quase onipresente entre os adultos com deficiência intelectual. Trouxe a falta de habilitação para o trabalho (ah...mas eles aprenderam a fazer artesanato...). Trouxe a falta de acesso aos bens culturais. Trouxe a falta de perspectiva de autonomia. Claro, também trouxe a eterna dependência das intituições que vivem da tutela daqueles cuja incapacidade foi desenvolvida de forma tão cuidadosa.

Continuam construindo ninhos ao contrário. Preferem olhar de onde vieram, mesmo porque o futuro pode trazer mudanças que essas pessoas não estão dispostas a enfrentar.

Felizmente temos pessoas que estão dispostas a olhar para frente e descobrir como fazer de pessoas com deficiência, seres nada imaginários, cidadãos. São e continuarão sendo bombardeadas pelos Goofus. A vantagem é que, como esse voam para trás e nós para frente, a nossa distância só aumenta.

Obrigado Profa Mantoan por nos ensinar a combater os Goofus. Quem sabe uma hora tenhamos a felicidade de saber que essa espécie está em extinção.

Descrição da imagem : foto da Profa Mantoan falando durante o 4o. Congresso Brasileiro sobre Síndrome de Down (Londrina Setembro de 2008), quando falou a frase que está em epígrafe

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Tales sunt hominum mentes

Joana sempre foi uma professora que buscou a modernidade. Por isso, apesar dos seus muitos anos de prática pedagógica, nunca deixou de estudar, aliás, como fazem todos os bons profissionais.

Extensão, capacitação e pós-graduação eram palavras que sempre estavam em seu vocabulário, pois sempre estava em alguma atividade desse gênero. Além disso era assinante das principais publicações sobre educação e a internet parecia ter completados todos os seus sonhos de consumo de informação.

Ultimamente, porém, os seus filhos e o seu marido começaram a ficar preocupados. De um momento para outro ela dera para falar de uma forma que nenhum deles mais entendia.

Tudo começou quando, um dia, chegou em casa dizendo que precisava fazer uma avaliação formativa das significações imaginárias dos membros da família. Segundo ela, considerando que tinha uma turma heterogênea era preciso levantar o conhecimento prévio para promover o encontro de pares.

No começo ninguém deu muita bola para os seus excessos verborrágicos, depois começaram a ficar sérios. Falou para filha que o namorado não desenvolvia a criatividade a partir da readequação dos olhares.

Reclamou com a empregada que aquela percepção desafiadora opositiva poderia aumentar a auto estima, mas não se coadunava com seu contexto psicossocial.

Recomendou ao filho que era mister que ele trabalhasse a interdisciplinariedade com seus colegas de MSN, uma forma inequívoca de formar cidadãos com uma ferramenta onde ele poderia aprender brincando, a partir do interesse dos seus coetâneos.

Chegou ao cúmulo de dizer ao marido que ele tinha abandonado a construção de saberes por não focar na realidade conjugal, que ele precisava romper com os seus paradigmas e adquirir novas representações sociais dentro de uma cosmovisão multidisciplinar.

A família desistiu no dia em que, em frente ao fogão, preparando a farofa, ela declarou que, a partir daquele dia ela não iria mais internalizar seus desafios. Que seus novos critérios de diagnóstico a respeito da farinha de mandioca não permitiam que ela publicizasse suas conquistas, precisava de uma reconceitualização.

O marido foi embora. Os filhos aguentaram menos de um mês e foram atrás do pai. Joana passou a dizer para todo mundo que fora vítima de um conflito de discurso.

Descrição da imagem : pintura chamada Labirinto, onde se vê uma mulher por dentro e por fora e, internamente pessoas perdidas dentro do labirinto do seu corpo

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Sobre adequações curriculares

O Fórum Permanente de Educação Inclusiva surgiu em 1998 por iniciativa da representação do ministério da Educação em São Paulo como Fórum Estadual de Educação Especial diante da necessidade de subsidiar os municípios paulistas para a questão da inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino.

Nesta década de trabalho, o nome do Fórum mudou, as terminologias para nomear as pessoas com deficiência foram aprimoradas, bem como nossos objetivos. Assim, desde 2001 quando do lançamento de nossa Carta de Princípios, entendemos que educação inclusiva diz respeito à educação de todos, ao trabalho na diversidade respeitando as características individuais, cognitivas, motoras, culturais e sociais. Ou seja, diz respeito à educação de todos e de cada um. Com esta perspectiva, o Fórum Permanente de Educação Inclusiva vem se constituindo como um espaço importante de troca de experiências e de formação de educadores.

Os participantes do Fórum são pessoas que trabalham nas escolas, nas secretarias de educação dos municípios e do Estado, que estudam e/ou trabalham nas universidades, que trabalham em instituições ligadas à educação, enfim, que se interessam em discutir o direito de todos à educação com destaque para um grupo que tem sido historicamente atendido pela educação especial - as pessoas com deficiência.

Segundo definição que consta na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas. Fica claro que essa conceituação está baseada na idéia que a deficiência é um conceito em evolução e que resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras atitudinais e ambientais que impedem sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Neste sentido, o Fórum Permanente de Educação Inclusiva entende que a manutenção de um sistema de educação especial paralelo ao comum é a manutenção de uma barreira de difícil transposição ao longo da vida de uma pessoa com deficiência. É necessário derrubá-la e, para tal, concretizar a organização de um só sistema educacional, onde comum e especial sejam articulados para efetivar o acesso, a permanência e o sucesso de todos e de cada um em seu processo escolar.

A partir dessas colocações iniciais e coerentes com esses dez anos de caminhada, consideramos ser esse o momento de tornar público o entendimento do Fórum Permanente de Educação Inclusiva sobre a noção de Adequações Curriculares presente nos documentos: "Parâmetros Curriculares Nacionais - Adequações Curriculares: estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais" (1998) e "Saberes e Práticas da Inclusão – estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais" (2003), ambos publicados pelo Ministério da Educação, no sentido de colaborar com o debate na diretriz de uma educação para todos, tendo como pontos de referência os seguintes marcos legais nacionais e internacionais (reproduzidos abaixo):

Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948 – artigo 26
Constituição Federal – 1988 - Artigos 205 a 208
Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência - Artigo 24 – Decreto 186/08.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Inclusão
O Decreto 6571/08 sobre o Atendimento Educacional Especializado
Carta de Princípios do Fórum Permanente de Educação Inclusiva


Importante ressaltar que este foi o eixo central das reuniões presenciais e dos debates virtuais do Fórum Permanente de Educação Inclusiva no ano de 2008 e que a tarefa de escrever um documento sobre as adequações curriculares era entendida como prioritária desde o início de nossas atividades anuais. O motivo de tal dedicação foi a problematização trazida por participantes que se mostravam preocupados com os diversos entendimentos acerca dos conceitos de adequações e adaptações curriculares e principalmente em relação à incongruência entre os documentos estudados "Parâmetros Curriculares Nacionais - Adequações Curriculares: estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais" (1998) e "Saberes e Práticas da Inclusão – estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais" (2003), e notadamente a atual Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Inclusão e o Decreto 186/08.

O resultado desse debate foi a sistematização de quatro norteadores, dado que seria incoerente a proposição de uma outra forma de adequação curricular em substituição da publicação em vigor, dado que discordamos da existência de adequações ou adaptações que gerem ofertas de conteúdos diferenciados daqueles propostos a todos. Assim, propomos que os atuais documentos sobre esse tema sejam revistos baseados na defesa dos seguintes pontos:

Da diversidade de estratégias pedagógicas – metodológicas e avaliativas – que foquem na maximização do desenvolvimento acadêmico e social de cada aluno;

Da utilização de línguas, modos e meios de comunicação, bem como tecnologias assistivas que garantam o acesso de todos os alunos aos conteúdos curriculares;

Da elaboração de planos de ação para o grupo classe que considerem as especificidades de cada aluno e que permitam que a educação seja de qualidade para todos e para cada um;

Da participação de pais e alunos na construção dos Projetos Políticos Pedagógicos de cada unidade escolar, entendendo que esse projeto é a concretização do currículo.


Pelo acima exposto, nos colocamos à disposição do MEC, do CNE e dos legisladores para trabalharmos nessa revisão em busca de uma escola de qualidade para todos.

São Paulo, Dezembro de 2008

Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948
Artigo XXVI
1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Constituição Federal - 1988
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.
Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
§ 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei.
§ 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência - 2008
Artigo 24
Educação
1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação. Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida, com os seguintes objetivos:
a. O pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e auto-estima, além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela diversidade humana;
b. O máximo desenvolvimento possível da personalidade, dos talentos e da criatividade das pessoas com deficiência, assim como de suas habilidades físicas e intelectuais;
c. A participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre.
2. Para a realização desse direito, os Estados Partes assegurarão que:
a. As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência;
b. As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino primário inclusivo, de qualidade e gratuito, e ao ensino secundário, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem;
c. Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam providenciadas;
d. As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação;
e. Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena.
3. Os Estados Partes assegurarão às pessoas com deficiência a possibilidade de adquirir as competências práticas e sociais necessárias de modo a facilitar às pessoas com deficiência sua plena e igual participação no sistema de ensino e na vida em comunidade. Para tanto, os Estados Partes tomarão medidas apropriadas, inclusive:
a. Tornando disponível o aprendizado do Braille, escrita alternativa, modos, meios e formatos de comunicação aumentativa e alternativa, e habilidades de orientação e mobilidade, além de facilitação de apoio e aconselhamento de pares;
b. Tornando disponível o aprendizado da língua de sinais e promoção da identidade lingüística da comunidade surda;
c. Garantindo que a educação de pessoas, em particular crianças cegas, surdocegas e surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados ao indivíduo e em ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e social.
4. A fim de contribuir para o exercício desse direito, os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para empregar professores, inclusive professores com deficiência, habilitados para o ensino da língua de sinais e/ou do Braille, e para capacitar profissionais e equipes atuantes em todos os níveis de ensino. Essa capacitação incorporará a conscientização da deficiência e a utilização de modos, meios e formatos apropriados de comunicação aumentativa e alternativa, e técnicas e materiais pedagógicos, como apoios para pessoas com deficiência.
5. Os Estados Partes assegurarão que as pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino superior em geral, treinamento profissional de acordo com sua vocação, educação para adultos e formação continuada, sem discriminação e em igualdade de condições. Para tanto, os Estados Partes assegurarão a provisão de adaptações razoáveis para pessoas com deficiência.

Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva - 2008
1. Reflete as conquistas dos movimentos sociais;
2. Define-se pela garantia do direito de todos à educação e pela valorização das diferenças;
3. Visa a assegurar a inclusão escolar...
4. Define Educação Especial como modalidade transversal e campo de conhecimento
5. Aponta para a construção de um sistema educacional que englobe o ensino comum e a educação especial, propondo, para tal alterar a estrutura tradicional da escola fundamentada em padrões de ensino homogêneo e critérios de seleção e classificação;
6. Orienta os sistemas educacionais para a promoção do acesso, permanência e sucesso de todos os alunos na escola regular comum, pública ou privada, de sua comunidade;
7. Propõe a mudança nas práticas pedagógicas e a eliminação das barreiras para o acesso ao currículo.

DECRETO Nº 6.571, DE 17 DE SETEMBRO DE 2008,que dispõe sobre o atendimento educacional especializado:
Prevê o apoio e o acompanhamento técnico e financeiro para o atendimento educacional especializado definido como o conjunto de atividades, recursos pedagógicos e de acessibilidade organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular, com vistas à sua autonomia e independência, na escola e fora dela.
Estabelece como funções do AEE a identificação, elaboração e organização dos recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, a partir de suas necessidades específicas, visando assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis de ensino.

Carta de Princípios do Fórum Permanente de Educação Inclusiva:
Defendemos a inclusão total incondicional de todas as pessoas em todos os contextos sociais e o direito de serem beneficiárias dos bens públicos e privados.
Defendemos o processo de transformação da sociedade para atender à singularidade humana e à pluralidade cultural, o que implica em rupturas e mudanças políticas, econômicas e sociais.
Defendemos a cultura da diversidade em oposição à cultura do preconceito, com base nos direitos humanos fundamentais de igualdade, participação, solidariedade e liberdade.
Defendemos a cultura da diversidade na educação não como busca do melhor modelo educativo individual ou de adaptações curriculares, mas da construção de sistemas educacionais inclusivos que assegurem o acesso e permanência de todos como resultado da qualidade social da educação.
Defendemos a educação como um direito de todos e dever do Estado, seja esse o provedor dos serviços educacionais ou fiscalizador dos serviços prestados por entidades privadas.
Defendemos a gestão democrática e controle social em todas as instâncias dos sistemas de ensino e nas unidades escolares.
Defendemos que a educação escolar é o instrumento fundamental de desenvolvimento individual, social, cultural,político e econômico do país para garantir o exercício da cidadania.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O discurso do desprezo

Existem alguns discursos recorrentes na comunidade das pessoas com deficiência, alguns próprios das pessoas com deficiência, outros de pais e profissionais que circulam no meio. Um deles é o discurso do desprezo pelas conquistas alcançadas.

Explico melhor.

Sou pai de um menino com síndrome de Down, uma alteração genética do cromossomo 21, provavelmente a mais comum das síndromes genéticas, que provoca uma série de limitações, especialmente ligadas às questões musculares e cognitivas (se bem que essas, muito mais decorrentes do contexto social preconceituoso do que da genética)

O Samuel, desde que nasceu foi muito estimulado, seja com as terapias adequadas para ele mas, principalmente, pelo fato de ter tido a oportunidade de estudar numa escola comum, fazer atividades esportivas, culturais e religiosas em meio a pessoas com e sem deficiência. Além do que, o moleque é um cara esforçado e persistente.

O resultado é que ele foi alfabetizado nas mesma idade que os seus colegas de classe, continua na mesma série escolar que eles, com um desempenho muito próximo dos seus companheiros (e, em alguns casos, até melhor).

Mas não é só o meu Samuel que tem alcançado vitórias expressivas. O Samuel Sestaro e a Priscila entraram na faculdade, e não foram as primeiras pessoas com síndrome de Down a chegar nesse ponto. A Débora é professora, o Cláudio, o Guto, a Ana, a Mariana e tantos outros estão trabalhando em empregos sérios. Todos chegaram lá porque as pessoas acreditaram neles e eles correponderam a esse estímulo.

Aí me vem algumas pessoas e dizem que síndrome de Down nem é deficiência, no também velho discurso que a deficiência do meu filho/aluno/paciente sempre é mais séria que a sua. Ou seja, essas conquistas não tem mérito nenhum.

No fundo estão dizendo que o trabalho dos terapeutas não valeu nada, ou era desnecessário. Que o trabalho dos professores não foi nada mais que o feijão com arroz. Que a dedicação dos pais deve ter sido só uma overdose de estimulação, mas não tem valor algum.

Pior. Desprezam o próprio esforço que essas pessoas com Síndrome de Down fizeram para ultrapassar limites, naturais e impostos pela sociedade, para superar preconceitos e para conquistar seus espaços como cidadãos.

Ora bolas, se Síndrome de Down não é deficiência por que é então que 90% dos americanos que recebem diagnóstico precoce da mesma optam pelo aborto? Por que os pais, quando recebem a notícias entram em estado de choque?

Se não faz diferença nenhuma por que será que as escolas continuam a recusar alunos com a síndrome? Por que muitos professores alegam que não sabem lidar com "isso"? Por que juízes insistem em interditar essas pessoas?

Fingir que a deficiência não está presente também é uma forma de exclusão. É negar o valor da própria pessoa, como se ela fosse um ser que não é. É um atentado contra a sua identidade.

Eu espero que num futuro não muito distante, as conquistas das pessoas com síndrome de Down possam passar desapercebidas, mas não porque elas deixaram de ter alguma deficiência, mas pelo reconhecimento de que essa deficiência não lhes tira os direitos equivalentes aos de qualquer outro ser humano.

Quanto a esse discurso deixo a mesma frase que o Samuel me fala, de vez em quando : "me poupe".

Descrição da imagem : foto do Samuel sorrindo

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Perdidos no espaço

Andei pensando sobre o que é o espaço urbano. Primeiro fui ao dicionário e descobri que a principal definição de espaço é uma "extensão indefinida". Urbano se refere aquilo que é "da cidade ou próprio da cidade". Logo, espaço urbano é qualquer extensão indefinida dentro de uma cidade. Sendo qualquer lugar torna-se, ao mesmo tempo, todos os lugares.

O que não quer dizer que todos os lugares da cidade podem ser freqüentados por todos. E nem estou pensando em questões de uso de locais privados, nem os espaços ditos públicos (que deveriam ser comuns a todos) realmente o são.

A explicação é triste, mas é real: nem todos são considerados seres humanos do mesmo valor. Pobres e negros são acompanhados de perto por seguranças de shopping centers, tipos que usem roupas exóticas são olhados como sendo de outro planeta. Quando não são assassinados por aqueles que deveriam lhes garantir a segurança, como ocorreu recentemente em São Paulo.

E as pessoas com deficiência...ah as pessoas com deficiência, são uns coitadinhos que deveriam ficar guardados dentro de casa ou de alguma instituição que cuidasse dos mesmos, que diabos esses caras inventam de circular nas ruas?

Além de não serem considerados cidadãos de primeira classe, também acredita-se que se são "deficientes", eles é que precisam dar conta das suas limitações, que precisam superar suas dificuldades - o problema é deles, não de todos.

Um cadeirante não consegue atravessar um quarteirão inteiro, afinal cada dono de casa ou prédio é responsável por sua calçada e essas não tem padronização nenhuma, mudam de nivel a cada dez metros, formam degraus. Muitas não tem manutenção nenhuma. Se, por um milagre conseguem chegar onde queriam, não podem entrar pois os arquitetos fizeram escadarias monumentais ou instalaram elevadores cujas portas não tem largura suficiente para uma cadeira de rodas.

As pessoas cegas também sofrem as agruras da falta de acessibilidade. Alguns elevadores tem o teclado em braille. Mas nem todo cego lê braille, pior, os que sabem braille conseguem apertar o botão do andar para onde querem ir, mas como descobrem que o elevador chegou no pavimento desejado? Pare para pensar um pouco : como é que um cego consegue atravessar sozinho uma rua? Também são pessoas que querem viver com autonomia e não ter de depender dos outros para se movimentar.

Pessoas surdas podem não ter restrições de mobilidade ou de visão. O que não significa que o espaço de todos lhes seja seguro. Mais de uma vez, em notícias recentes, pessoas surdas foram presas porque se "recusavam" a responder questionamento de policiais!

Se a deficiência é intelectual a hostilidade já começa no olhar. Se não é hostilidade é compaixão assistencialista : "aquele moço com Síndrome de Down andando sozinho na rua deve estar perdido...será que a família não cuida dele?" As pessoas fazem todas as suposições, exceto é de que essas pessoas tem capacidade para viver e se locomover como qualquer outro. Afinal, ele não é um ser tão humano como nós, não é mesmo?

Mas não são só os cadeirantes, cegos, surdos ou pessoas com deficiência intelectual.

Outro dia vi uma mãe empurrando o carrinho de bebê pelo meio da rua, correndo o risco de ser atropelada, pois a calçada era inviável. Uma pessoa obesa não entra em muitos elevadores e banheiros que já vi por aí. Ops! Então essa tal de acessibilidade não é só para pessoas com deficiência? Pessoas idosas poderiam ser beneficiadas? Mulheres grávidas ? Até os meninos que empurram os carrinhos de entrega de supermercado? Semáforos sonoros seriam mais seguros para todos? Respeito é bom para todo mundo.

Derrubar barreiras físicas, de comunicação e de atitude pode beneficiar todo mundo. Não é um privilégio concedido às pessoas com deficiência.

Mas isso só vai acontecer quando a diversidade for considerada como valor. Esta incompreensão da cultura da diversidade implica em que a sociedade pense que a inclusão seja destinada a melhorar a a vida das pessoas com deficiência e não a vida da população em geral.

A cultura da diversidade vai nos permitir construir uma cidade de qualidade, espaços de de qualidade e cidadãos de qualidade. A cultura da diversidade é um processo de aprendizagem permanente, onde TODOS devemos aprender a compartilhar novos significados e novos comportamentos de relações entre as pessoas.

Para o bem e para o mal.

Descrição da imagem : cartoon onde se vê uma guilhotina que tem uma rampa com o sinal internacional de acessibilidade.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Nada mais me surpreende


Antigamente eu achava que o caderno de política dos jornais eram a parte mais cômica do noticiário. Ando tentado a rever essa minha posição.

Não que a política tenha se tornado séria, nem nessas nossas plagas, nem alhures. O que acontece é que as editorias de ciências devem ter buscado reforços ou baixou um Stanislaw Ponte Preta nas redações.

Essa semana veio em dose dupla.

Primeiro com um estudo correlacionando a incidência de autismo com os índices pluviométricos.

Você parou e leu de novo, não foi isso ? Quando li eu também. Imediatamente me lembrei da cidade de Belém do Pará, a máxima local é que lá quando não chove todo o dia, chove o dia todo. A incidência de autismo deve ser brutal. Um amigo disse que Ubachuva (apelido carinhoso de Ubatuba) vai se chamar Ubautismo.

Até entendo que cada cientista quer ser o primeiro a descobrir o que causa o autismo (até hoje, um mistério), mas já estão apelando para a ignorância. Deve ser um candidato sério ao IgNobel.

Mas teve mais. O jornal da Ciência publicou uma matéria a respeito de doping. Não era nenhum estudo sobre os atletas olímpicos nem sobre a Volta da França, o público que anda fazendo uso de estimulantes para melhorar seu desempenho são os cientistas e estudantes.

Uma pesquisa mostrou que 20% dos cientistas usam algum tipo de bolinha como anabolizante cerebral. Daqui a pouco os candidatos a mestrado e doutorado vão ter de passar por exames de anti-doping antes de defenderem suas teses (será que alguma sobre o uso das drogas ?)

Mas não só os pesquisadores de ponta é que usam trapaças químicas, outros estudantes também. E não é a velha combinação de café com coca-cola para passar a noite estudando, mas metilfenidatos e modafinilos.

Podem esperar que, em breve, as faculdades vão começar a sortear candidatos dos vestibulares para um xixi básico depois das provas. Pais vão começar a dopar os filhos em época de provas.

O limite vai ser a análise das fraldas dos berçarios pela WADA.

Descrição de imagem : linha de partida de uma corrida, o juiz ao invés de um revolver, tem uma seringa apontada para cima.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Inclusão é a #$@*& !!

Já se passaram quase 50 anos da revolução sexual dos anos 60, mas sexo ainda é um tema que causa profundo estranhamento nas pessoas (mesmo as que nasceram bem depois disso).

Alguns temas ainda são grandes tabus, especialmente quando surgem em contextos onde não eram esperados. A notícia da BBC que foi criado um bordel para pessoas com deficiência na Holanda acabou sendo muito pouca comentada nos grupos, exceto por uma brincadeira do MAQ e uma questão do Lúcio se seria um caso de prostituição inclusiva (essa análise eu faço um pouco mais adiante), de resto, silêncio geral.

Não é a primeira vez, há cerca de um ano saiu uma notícia sobre a iniciação sexual de pessoas com deficiência em prostíbulos.

A verdade é que muitos acreditam que as pessoas com deficiência são assexuadas ou, na melhor das hipóteses, que precisam se contentar em se relacionar com os seus iguais.

Não sou defensor da prostituição. Muito pelo contrário, acho que é uma forma de degradação das pessoas (que fornecem o serviço e também das que o consomem). O que não significa que deixe de ser uma realidade. Pode-se alegar que seja ilegal, imoral e inconveniente. Mas está aí em todo o lugar e, em alguns países de forma legal.

Ou seja, podemos até nos posicionar contrariamente à prostituição, desde que seja para todos (no caso, para ninguém), mas supor que existindo não possa estar acessível às pessoas com deficiência que a querem é uma posição contraditória.

As pessoas com deficiência não são menos humanos que os demais. Também tem suas práticas imorais, ilegais e inconvenientes.

Eu acho o fim da picada as pessoas se prostituirem, mas não me surpreenderia se lesse uma notícia em que as próprias pessoas com deficiência oferecessem seus corpos. Um excelente artigo da Lia Crespo trata da questão da atração sexual por pessoas com deficiência (e estou falando de desejo sexual não de abusos).

Pessoas com deficiência também gostam de ler a Playboy e ver filmes pornográficos, como outras pessoas que também gostam disso.

Quanto à pergunta do Lúcio : seria essa a prostituição inclusiva ?

Certamente não, uma vez que é um bordel criado especificamente para atender pessoas com deficiência, ou seja um bordel especial. Seria inclusiva se a notícia dissesse que todos os bordéis da Holanda atendem pessoas com deficiência junto com os demais clientes sem deficiência.

Acho que as prostitutas dos bordéis comuns alegam que não estão preparadas para lidar com essas pessoas...afinal, devem ter demandas que não constam do Kama Sutra.

Descrição da imagem : prostitutas vistas da cintura para baixo na calçada de uma avenida

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Uma questão intelectual

A Declaração de Montreal sobre a Deficiência Intelectual (2004), bem antes da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência (2007) já trazia novos e relevantes significados. Gostaria de chamar a atenção a respeito de três deles (e recomendar a leitura da Declaração como um todo)

A re-significação semântica

Acredito que a primeira discussão é a questão dos vocábulos deficiência e incapacidade.

Deficiência significa uma condição da pessoa resultante de um impedimento fisiológico

- lesão no aparelho visual ou auditivo
- falta ou lesão motora de uma parte do corpo
- déficit intelectual

Já a discapacidade (um termo que não existe em Português, mas que deveria existir para não se confundir com a nossa "incapacidade") denota um estado negativo de funcionamento da pessoa, resultante do ambiente humano e físico inadequado ou inacessível, e não um tipo de condição :

Ou seja, a deficiência é inerente à pessoa. A discapacidade é construída socialmente.

Por quê deficiência intelectual, ao invés de deficiência mental ?

É mais apropriado o termo intelectual por referir-se ao funcionamento do intelecto especificamente e não ao funcionamento da mente como um todo”. (Romeu Kazumi Sassaki em " Deficiência mental ou intelectual? Doença ou transtorno mental? Artigo publicado na Revista Nacional de Reabilitação, ano IX, n. 43, mar./abr. 2005, p.9-10).

Permite uma distinção melhor entre deficiência mental e doença mental (que também está sendo substituída por transtorno)

Não é uma definição realmente nova, em 1995 um simpósio da ONU já usava essa terminologia . Em 2002 a Confederação Espanhola para Pessoas com Deficiência Mental se tornou a Confederación Española de Organizaciones en favor de Personas con Discapacidad Intelectual.

A toda poderosa AAMR (Associação Americana de Retardo Mental) hoje é AMERICAN ASSOCIATION ON INTELLECTUAL AND DEVELOPMENTAL DISABILITIES (AAIDD)

A re-significação do valor humano

A deficiência intelectual, assim outras características humanas,constitui parte integral da experiência e da diversidade humana. A deficiência intelectual é entendida de maneira diferenciada pelas diversas culturas o que faz com a comunidade internacional deva reconhecer seus valores universais de dignidade, autodeterminação, igualdade e justiça para todos. (Montreal)

Os relacionamentos com a pessoas com deficiência ainda se orientam por conseguir alcançar comportamentos sociais controlados, quando deveriam ter como objetivo que essas pessoas adquirissem cultura suficiente para que pudessem conduzir sua própria vida. Ainda vivemos em um modelo assistencial e dependente quando deveríamos buscar (e muitos buscam) um modelo competencial e autônomo.

É um modelo baseado no déficit, que destaca mais o que a pessoa não sabe fazer do que aquilo que ela pode realmente fazer.

Claro que isso tem um componente ideológico: é a não-aceitação da diversidade como valor humano e a perpetuação das diferenças entre as pessoas, ressaltando que essas diferenças são insuperáveis.

A sociedade inclusiva é aquela onde o modelo das relações subverte essa lógica para que as pessoas adquiram e desenvolvam estratégias que lhes permitam resolver problemas da vida cotidiana e aproveitar as oportunidades que a vida lhes ofereça. Às vezes, essas oportunidades lhes serão dadas mas, na maioria das vezes, terão que ser construídas e, nessa construção, as pessoas com deficiência têm que participar ativamente – o que é mais um ponto significativo da declaração que propõe a participação das próprias pessoas com deficiência intelectual na construção de políticas públicas.

A cultura da diversidade é uma nova maneira de viver que reconhece a diversidade como valor.

A re-significação da autodeterminação

Reconhecer que as pessoas com deficiências intelectuais são cidadãos e cidadãs plenos da Sociedade. (Montreal)

Até aqui, as propostas da Declaração, ainda que rompedoras de paradigmas, ainda seriam digeríveis, com um pouco mais ou um pouco menos de sal de frutas, pelo status quo institucional da deficiência. E é nesse ponto que eu acredito que surgem os grandes conflitos de interesses.

Com a “inovação” filosófica da normalização (anos 70) começaram a surgir novas alternativas denominadas organizações ou entidades de transição – mais protegidas do que a sociedade externa e, ao mesmo tempo menos protegida e menos determinante de dependência que uma instituição total típica.

Tais entidades foram planejadas e desenhadas para promover a responsabilidade e enfatizar um grau significativo (mas não pleno) de auto-suficiência da pessoa com deficiência, através do trabalho ou do preparo para o trabalho, envolvendo treinamento e educação especiais, bem como um processo de colocação cuidadosamente supervisionado. Uma visão tutelar.

Ao se afastar do paradigma da institucionalização (não mais interessava sustentar uma massa cada vez maior de pessoas, com ônus público, em ambientes segregados; interessava desenvolver meios para que estes pudessem retornar ao sistema produtivo), criou-se o conceito da integração, fundamentado na ideologia da normalização, a qual advogava o “direito” e a necessidade das pessoas com deficiência serem “trabalhadas” para se encaminhar o mais proximamente possível para os níveis da normalidade, representada pela normalidade estatística e funcional. (Salete Aranha)

Dessa forma, ainda a sociedade não abriu mão dos instrumentos de controle sobre essa população e, aqui, não refiro exclusivamente às pessoas com deficiência intelectual, mas a todas as deficiências, com instrumentos de tutela :

Na criação de órgãos estatais , consultivos ou executivos, que muitas vezes são dominados por aqueles que têm interesses econômicos na manutenção da dependência dos "deficientes" às instituições ;

Na edição de leis importantes que, mesmo não interferindo em atribuições exclusivas de outros poderes, vinculam sua aplicação a regulamentação posterior... e no adiamento indeterminado de regulamentação de leis que permitem o acesso das pessoas com deficiência à informação, à cultura e à educação;

Na luta feroz de instituições contra os movimentos inclusivos, sob a alegação que a sociedade (e as escolas) não estão preparada para lidar com essas pessoas.

A proposta da Declaração de Montreal é corajosa mas, além de re-significar os direitos das pessoas com deficiência intelectual, vai re-significar toda uma forma de luta por esses mesmos direitos.

Descrição da imagem : Samuel, um garoto com Síndrome de Down, escolhendo livros para comprar

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Retrato em branco e preto

"E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos" (Caetano Veloso/Gilberto Gil - Haiti)


Buscando imagens no Google para ilustrar o texto da semana passada, usei os termos "miséria, pobreza e deficiência", em português e em inglês. Sempre acreditei que a exploração da pobreza é que perpetua a exclusão das pessoas. Quem se beneficia do fato delas ficarem à margem da educação e do trabalho sempre vai remar contra a autonomia.

Não diria que minha descoberta foi surpreendente, mas não deixa de ser chocante : todas as imagens em que apareciam pessoas pobres e miseráveis elas eram negras (ou quase pretas, como já cantou o Caetano Veloso).

Dois dias depois da minha publicação o IBGE divulgou os resultados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, com indicadores referentes a raça e cor.

Pretos e pardos estão ganhando em média a metade do salário dos brancos, o que, apesar de representar uma melhora(sic) comparando aos dados de 2004, ainda é um desnível brutal.

Se vivemos numa sociedade que alega não ser racista, nem discriminatória, por que é que isso acontece ?

O próprio IBGE dá a resposta : a população branca tem 4 vezes mais pessoas que chegaram ao nível superior de ensino do que a população negra ou parda. Cursando o nível superior o buraco é um pouco menor, a proporção é de 3 para 1.

Isso ainda não é uma resposta, apenas provoca outra pergunta : por que, apesar de representar quase 45% da população, no máximo 6% chegam ao nível superior ?

O ensino superior ainda é um privilégio quase exclusivo dos alunos egressos de escolas particulares que, se não tem uma política discriminatória explícita a tem nas entrelinhas (não obrigatóriamente na direção da escola, mas entre alunos e pais de alunos).

É um círculo vicioso. O pobre não tem acesso à escola particular porque não tem dinheiro para pagá-la. E não tem dinheiro para pagá-la porque não tem acesso aos níveis superiores de ensino que quase só se alcançam através dela.

Outro dia, num evento da escola dos meus filhos, estava reparando nisso. A escola onde estão tem uma origem religiosa que sempre teve muitos negros, e encontramos vários na escola. No entanto, do evento participavam outras 3 escolas de São Paulo. Nenhum negro. Uma delas parecia ser (apesar de não ser) escandinava, quase só loiros.

Se olharmos para a escola pública, a situação racial se inverte. Mas quem dá valor à escola pública ? É escola de pobre, não é mesmo ? Além do que, se esse pobres se tornarem educados e conscientes podem começar a pensar e, assim como acontece com as pessoas com deficiência, deixarão de ser tutelados ( o que vai provocar prejuízos financeiros para muitos)

Distribuição de renda justa, mais do que distribuir migalhas, passa por investimentos maciços e sérios na educação pública.

É a única forma de quebrar esse círculo vicioso e transformar a escola num espaço de qualidade para todos.

Descrição da imagem : foto de um tabuleiro de xadrez com peças pretas e brancas

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Muito obrigado


Amig@s

Quero agradecer e parabenizar a tod@s que assinaram o manifesto:

Manifesto em Solidariedade ao Companheiro Fabio AdironEm defesa do nosso Direito e Dever de lutar pelos Direitos Humanos e por uma sociedade mais justa para todas as pessoas.

Nestes três dias em que agimos em prol da liberdade e do nosso direito à livre manifestação fortalecemos o nosso movimento , lutamos pelos direitos humanos e fundamentais das pessoas e exercemos a nossa cidadania.

Vamos em frente por que ainda temos um longo caminho a percorrer.

Claudia Grabois –Presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down

Segue abaixo o manifesto com as assinaturas.

Manifesto em Solidariedade ao Companheiro Fabio Adiron
Em defesa do nosso Direito e Dever de lutar pelos Direitos Humanos e por uma sociedade mais justa para todas as pessoas.

Somos familiares, ativistas, instituições e grupos que lutam pelos direito à inclusão ampla, geral e irrestrita das pessoas com ou sem deficiência na nossa sociedade e exercemos o nosso papel nos mais diversos espaços inclusive nos manifestando contra toda e qualquer forma de discriminação. Recentemente recebemos uma carta que, posteriormente foi publicada em um blog com o relato de uma estudante do curso de Especialização em Educação Inclusiva e Deficiência Mental da PUC de São Paulo.

Mesmo indignados com as denúncias não deixamos de dar voz às pessoas que não concordaram com os relatos apresentados, tendo em vista que tanto as manifestações dentro do blog como através de e-mails foram publicadas nos mesmos canais onde foi distribuída a carta.

Estranhamente, o companheiro Fábio Adiron, que nos repassou a carta da estudante passou a ser ameaçado o que não nos parece cabível, sendo constrangido ilegalmente a partir de uma tentativa espúria de tentar nos calar. Aliás, não só ele, mas também a estudante que fez o relato.

A carta foi temporariamente retirada do blog que, por sinal, não era nenhum dos blogs que publica o Fábio Adiron.


Mas não nos calaremos.

Não nos calaremos por que temos compromisso com o que defendemos. Não nos calaremos por que vivemos em um Estado de Direito e muitos de nós participaram das lutas contra o regime militar instaurado em 1964 e fortalecido pelo AI-5 e não permitiremos que ameaças vazias enfraqueçam a nossa causa.


Estamos solidários com o companheiro Fabio Adiron e estaremos, a partir de agora, ainda mais atentos com tudo o que diga respeito à discriminação de pessoas com ou sem deficiência na nossa sociedade.

Vivemos em um país onde discriminar é crime e, à discriminação cabem processos, denúncias, queixas, manifestos, divulgação, mobilizações, reuniões e tudo o mais que as nossas leis permitem pessoas que lutam pela cidadania plena para tod@s as pessoas, não faz parte do nosso exercício político, constranger ou ameaçar. Isso não é permitido a cidadão algum, esclarecendo que o crime de ameaça está tipificado no art 147 do Código Penal.

Não nos calaremos e seguimos na luta. Nada temos pessoalmente contra ninguém, mas esclarecemos que estamos atentos para o que a Constituição Federal, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que tem equivalência à Emenda Constitucional e outras leis, passem a permear o nosso cotidiano, seja nas escolas, nas universidades, nos locais de trabalho e nos demais espaços públicos e privados.

Não tentem nos intimidar por que não conseguirão!

Acedir Jesus de Souza
Educador/Fórum Permanente de Educação Inclusiva
Alba
Universidade Federal da Paraíba
Aline Carla Ferreira Teixeira dos Santos Gherardi
Coordenadora Pedagógica / Professora PI
Aline Zenaide De Souza Vitorino
Assistente Administrativo
Ana Carolina Benedetti
Pedagoga Especialista em Educação Especial e Psicopedagoga
Ana Cássia Teixeira da Silva
RJ Down
Ana Claudia Correa
RJ Down
Ana Galgane Paes
Grupo Síndrome de Down
Ana Luiza Mukai
Publicitária
Ana Luiza Pilla Luce
Médica
Ana Maria E. C. Barbosa
Rede Saci
Ana Paula Crosara de Resende
Advogada
Anahi Guedes de Mello
Associação dos Deficientes Auditivos, Pais, Amigos e Usuários de Implante Coclear
Anastázia Ladeira
Grupo Síndrome de Down
Andrea Barbi
Happy Down
Andrea Lungwitz Cleto
Fórum Permanente de Educação Inclusiva
Andrea Monteiro de Siqueira
Jornalista
Andréa Tikhomiroff
Construindo o caminho
Andrei Bastos
Rede Inclusiva RJ
Andréia Maria Anibal
Happy Down
Anelisa Oliveira Mendes dos Santos
Grupo Síndrome de Down
Ângelis Farias da Silva Nascimento
Grupo Síndrome de Down
Anne Oliviera
Grupo Síndrome de Down
Antonia Almeida de Araújo
Grupo 25
Antonio Carlos Sestaro
Associação Up Down - Santos
Aparecida Akiko Fukai
CVI Araci Nallin
Arimar Martins Campos
Fórum Permanente de Educação Inclusiva/Conselho Municipal de Educação de Santos
Benedito José Nogueira Crispim
Grupo Síndrome de Down
Bethânia Mignolo dos Santos
Advogada e Educadora
Carla Codeço
RJ Down
Carmen Silvia Vannucci Dinamarco
Espaço XXI Campinas
Carolina Rodrigues Enge
Pedagoga
Caroline Nobrega de Almeida
Grupo Síndrome de Down
Caroline Pizzini
RJ Down
Celia Kalil
Aprendendo Down
Celia Regina Martelo
Felicidade Down - Sorocaba
Celia Rodrigues Enge
Psicopedagoga
Cintia De Souza Silva
Pedagoga
Claudia Feres Barbosa
Administradora
Claudia Grabois
Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down
Claudia Ribeiro
Grupo Síndrome de Down
Claudio Vereza
Deputado Estadual RJ
Cleuziane Oliveira
Grupo Síndrome de Down
Cristiane Zamari Diogo
Grupo Síndrome de Down
Cristina Oliveira
Fórum Permanente de Educação Inclusiva
Daniela Kondor
Professora Da Universidade Veiga de Almeida
Danielle Costa Reis Migueletto,
Débora Mercedes Ramos Rojas Pinho
Fórum Permanente de Educação Inclusiva
Deise Fernandes
Fórum Permanente de Educação Inclusiva/CPFL
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Educadora
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Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
Eduardo Daniel de Souza
Happy Down
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Fórum Permanente de Educação Inclusiva
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RJ Down
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Happy Down
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Fórum Permanente de Educação Inclusiva
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Educadora
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Grupo Síndrome de Down
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Grupo Síndrome de Down
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Gilza Rosa
DF Down
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Grupo Síndrome de Down
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Grupo Síndrome de Down
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Fórum Permanente de Educação Inclusiva
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Grupo Síndrome de Down
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Grupo Síndrome de Down
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Grupo Síndrome de Down
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Grupo Síndrome de Down
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Grupo Síndrome de Down
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Fórum Permanente de Educação Inclusiva
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Grupo Síndrome de Down
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Educação e Autismo
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Grupo Síndrome de Down
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Educação e Autismo
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Educação e Autismo
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Grupo Síndrome de Down
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DF Down
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Fórum Permanente de Educação Inclusiva
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Mariazinha Pereira
Grupo Síndrome de Down
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Marina Teresa Capucim
Educadora/Grupo Síndrome de Down
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Professora Universidade Federal de Uberlândia
Marione Pires Morais
Grupo Síndrome de Down
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Mauro Carmélio
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Grupo Síndrome de Down
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RJ Down
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Grupo Síndrome de Down
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Grupo Síndrome de Down/Agência Inclusive
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Grupo Síndrome de Down
Paulo Flávio Barbosa Da Silva
Representante Comercial
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Rede Inclusiva
Priscila Keiko Shiguematsu
Profª Drª Marinalva S Oliveira
Universidade Federal do Amapá
Profa. Dra. Windyz Ferreira
DHP Universidade Federal da Paraíba
Regina Atalla
CVI Bahia
Regina Cohen
Núcleo Pró-Acesso UFRJ
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Grupo Síndrome de Down
Renato Laurenti
CVI Araci Nallin
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Publicitário
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Consultor
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Procuradora do MPT/Alagoas Inclusiva
Rodrigo Lopes dos Santos
Grupo Síndrome de Down
Romeu Sassaki
CVI Araci Nallin
Ronaldo Tikhomiroff
Construindo o caminho
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Grupo Síndrome de Down
Rosana Queiroz da Silva Rodrigues
Grupo Síndrome de Down
Rosângela Gavioli Prieto
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
Samantha Juliano De Carvalho
Samantha Romano
Grupo Síndrome de Down
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Grupo Síndrome de Down
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Sandra Tavares
Universo Down
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Happy Down
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Grupo Síndrome de Down
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Cirurgião-Dentista
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Grupo Síndrome de Down
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Suely Satow
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Happy Down
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Vilma Mello
APS Down Londrina
Vinicius Gaspar Garcia
Centro de Vida Independente de Campinas
Viviane Lima Lourenço
Warley Viana
Coletivo PPD's-Apeoesp
Zilma Saibro da Silva
Fórum Permanente de Educação Inclusiva

Descrição da imagem : uma mulher sinalizando a palavra "amigo" em Libras (imagem do site Acesso Brasil)

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Para que uma Convenção inclusiva ??

Esse texto é especialmente dedicado a X & Y que pensam exatamente assim


Eu não quero falar sobre inclusão, esse negócio é muito desagradável. Imagine só você, tem gente que acredita que as pessoas são iguais em direitos e deveres ! Tem gente que acha que todo mundo deve ir para a escola, que todo mundo precisa de cuidados médicos, de transporte, de lazer. Acreditam até que é preciso ter trabalho para todos...

Se essa idéia pega, como é que vão ficar as nossas relações de poder e dominação ?? Ficam colocando na cabeça das pessoas essas idéias subversivas de autonomia, de autodeterminação, desse jeito todo mundo vai querer ser auto-alguma-coisa. E aí acaba a sinecura, não vamos mais poder receber verbas públicas para cuidar delas, nem vamos poder mais pedir dinheiro para as empresas, para as pessoas. Nós vamos viver do que ? Não esqueçam que muita gente depende disso. E não estou falando desse povinho que nós assistimos, mas de toda essa massa de gente que vive às custas da exclusão.

Outro dia eu ouvi um cara dizendo que o governo deveria pegar toda sua verba da educação e investir em escolas públicas. Como se a escola pública prestasse para alguma coisa. Um lugar que só tem pobres. Onde os professores ainda são idealistas. Se começarem a jogar dinheiro lá é até capaz desses professores trabalharem felizes, dos alunos aprenderem e começarem a questionar nosso modelo sócio-econômico.

Não tenho muita certeza disso, mas dizem que esses professores ainda lêem Paulo Freire, que acreditam que a aprendizagem se dá na comunhão entre estudantes e mestres. Será que eles não sabem o que significa ser um “aluno” ? Não devem ter estudado latim, aluno quer dizer aquele que não tem luz. Só a luz dos grandes mestres é que pode iluminar essas mentes corrompidas pela ilusão da igualdade. E luz é um produto caro, não pode ser dada sem critérios para qualquer um.

Mas o pior de tudo é que de uns tempos para cá, além da inclusão social e da inclusão digital (outra besteira perigosa, deixar que todos tenham acesso à informação, se bem que isso pode render uns bons trocados para os fabricantes de computadores), andam falando em colocar pessoas com deficiência nas escolas.

Para que isso ? Afinal, não existe uma infinidade de locais onde esses inválidos possam ser atendidos ? Onde eles possam ser felizes com os seus semelhantes ? Se forem para as escolas comuns eles vão atrapalhar os demais alunos que serão obrigados a andar no mesmo ritmo lento deles. Como seremos uma nação competitiva nesse mundo globalizado se os nossos filhos tiverem de tolerar esse tipo de situação ? Além do que os professores não estão preparados para receber essas aberrações.

Tudo bem, se não tiver outro jeito, pode-se até colocar esses deficientes na escola pública, essa já recebe a escória mesmo, um pouco mais um pouco menos não vai fazer diferença. Agora, obrigar as nossas brilhantes escolas particulares a aceitá-los, o que vai ser desse mundo ? Ainda acho que paralíticos, os disformes, os surdo-mudos, os ceguinhos e os retardados precisam mesmo é de locais próprios para eles – claro, subvencionados de forma a manter nossa economia da tutela em movimento.

Precisamos continuar lutando para que os deficientes fiquem felizes com seu salário-esmola (viram como funcionou ? muitas famílias nem deixam os filhos deficientes estudar ou trabalhar com medo de perder esse dinheirinho). Que achem o máximo andarem de ônibus de graça (mesmo que os ônibus não sejam acessíveis). E até que se iludam com a lei de cotas de emprego – desde que nenhuma escola permita que eles se qualifiquem para conseguir qualquer emprego. Não é muito melhor quando eles fazem aquelas exposições de artesanato ? Podem até vender...

Ah...você acha que eu estou sendo muito cruel ? Não concorda comigo ? Essa é a vida como ela é. Você está pensando em se aliar a esses inconsequentes da inclusão ? Acredita que isso vai fazer do mundo um lugar melhor para se viver ?

Bem, nesse caso, acho melhor você ler a Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência com bastante atenção. Esses caras tem um monte de argumentos que contrariam tudo que eu escrevi aí em cima (e o pior, eles tem razão, mas eu preciso defender a minha “turma”)

Um aviso importante : se você não entendeu esse texto, continue lendo os demais textos do blog para saber do que exatamente tratamos aqui.

Descrição da imagem: crianças pobres sentadas no meio da rua, uma delas está numa cadeira de rodas.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Tortura, degradação e outras crueldades

Transformar o outro em coisa inferior, para se colocar numa essência superior, é negar simultaneamente a sua liberdade e a própria. Enquanto o olhar de alguém objetiva o outro em coisa essencialmente inferior, o outro, por sua vez, olha e constitui esse alguém num carrasco e ele terá vergonha desse seu olhar. Sartre, J.P-"A Nausea"-1938.

“Ninguém notou
Ninguém morou na dor que era o seu mal
A dor da gente não sai no jornal.”
(Chico Buarque de Hollanda)


O que exatamente se configura como tortura ? As técnicas ancestrais de Torquemada ? O pau-de-arara tão utilizado durante a nossa "gloriosa" revolução ? Os aparelhos de choques elétricos dos filmes americanos ? No imaginário de muitas pessoas essas são as primeiras cenas que vêm à cabeça quando falamos em tortura. Para a grande maioria são só essas as cenas e, por isso mesmo acabam fechando os olhos ou os ouvidos a uma série de outras formas mais sutis (mas não menos cruéis) de atormentar o outro.

Quando falamos de pessoas com deficiência, essa prática ainda é mais perversa, pois se vale das limitações do outro para exercer essa função de carrasco.

Alguns estudos apontam que pessoas com deficiência estão expostos a maiores condições de risco, tanto na sua integridade física como mental, tanto no âmbito familiar como no seu meio social cotidiano concluindo que as diversas formas de maus tratos (incluindo aí o abuso sexual) sofridos por crianças com deficiência são, ao mesmo tempo, uma violação de seus direitos fundamentais e uma possível causa ou comprometimento de sua deficiência.

O grande problema é que, ainda , a grande maioria dessas pessoas vive numa situação de invisibilidade que aumenta a sua vulnerabilidade . O assunto é relevante e deve ser tema de preocupação e debate de todos. E, as ações de enfrentamento ao abuso e violência devem ser consideradas urgentes na tentativa de buscar soluções viáveis de forma que contribuam com a visibilização dos mesmos, de suas vozes, suas experiências e o empoderamento destes indivíduos.

Qualquer ação para o enfrentamento do abuso físico ou psicológico contra pessoas com deficiência deve objetivar a ruptura de percepções incorretas e infundadas, visar a produção de conhecimentos acessíveis à população em geral, incluindo as próprias pessoas com deficiência, promover a conscientização e a disseminação de novos pressupostos, os quais devem basear-se nos direitos humanos e na formação para a cidadania.

Mas não são somente os abusos físicos e visíveis que devem ser levados em conta. A manipulação psicológica, a humilhação, a privação sensorial e as posturas forçadas causam tanto dano, estresse e angústias como a tortura física, segundo um estudo publicado hoje pela revista "Archives of General Psychiatry". [1]

As definições de tortura mais comumente aceitas incluem o sofrimento físico e mental. "Depois de terem sido publicadas informações que davam conta de abusos cometidos por militares dos Estados Unidos em Guantánamo, no Iraque e no Afeganistão, um grupo de trabalho do Departamento de Defesa e outro do Departamento de Justiça argumentaram que a definição de tortura era muito limitada", afirma o artigo.

Para os americanos, por exemplo, a tortura "exclui a dor e o sofrimento mental causado por vários atos que não causem grave dor física". Ou seja, se não deixar hematomas nem fraturas, não houve tortura.Entre os métodos que as autoridades dos Estados Unidos excluíram de sua definição da tortura, estão cobrir o rosto com capuzes, nudez forçada, isolamento e manipulações psicológicas.

Para comparar diferentes formas de tortura com mais facilidade, os pesquisadores dividiram esses métodos em sete categorias.

São eles: tortura sexual, tortura física, manipulações psicológicas - como as ameaças de estupro ou ser testemunha da tortura de outros, tratamento humilhante que incluem ofensas verbais, exposição a posturas forçadas por períodos longos, música em som alto, duchas de água gelada e a privação de alimento, água e outras necessidades básicas.

"As simulações de execuções, ser testemunha da tortura de pessoas queridas, as ameaças de estupro, o manuseio de genitais e o isolamento apareceram vinculados a, pelo menos, tanta angústia quanto à causada por alguns métodos físicos", afirmaram os autores do estudo.
Os pesquisadores concluíram que as técnicas de "interrogatório agressivo" e os procedimentos de detenção que significam a privação de necessidades básicas, a exposição a condições ambientais adversas e outras manipulações psicológicas não parecem ter conseqüência muito diferentes da tortura física, em termos do sofrimento que causam e dos efeitos a longo prazo.

No caso brasileiro ainda a questão piora pois, mesmo se a nossa definição de tortura for mais abrangente que a americana, as nossas práticas estão descendo ladeira baixo (sem que ninguém se preocupe em colocar freios). Nesse mês foi lançado em São Paulo, o Terceiro Relatório Nacional sobre Direitos Humanos no Brasil [2], elaborado pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo) e a Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos, traz uma constatação nada feliz sobre o país: a falta de vontade e de capacidade política e técnica de nossos governos para desenvolver políticas no setor têm contribuído para um déficit de democracia no Brasil.

De acordo com o estudo, que apresenta um extenso mapeamento das situações de violação e das políticas públicas desenvolvidas no campo dos direitos humanos em todos os estados, há, por um lado, uma incapacidade política de promover o diálogo e a cooperação entre organizações governamentais e da sociedade civil na definição de prioridades, objetivos e estratégias integradas para proteção e promoção dos direitos humanos.

Por outro lado, há uma incapacidade técnica de processar e empregar, na formulação e implementação de políticas, a enorme quantidade de dados e informações sobre direitos humanos produzidos e distribuídos por essas organizações desde a transição para a democracia.“O Brasil tem hoje mais programas e ações para garantir o direito à vida, liberdade e segurança das pessoas, o acesso à justiça, à liberdade de expressão, manifestação e participação política, os direitos das crianças e adolescentes, mulheres, negros e indígenas. Mas ainda é incapaz de garantir estes direitos e liberdades”, afirma a pesquisa. Secretarias, conselhos e comissões são criados, mas não têm estrutura para funcionar.

Programas são desenvolvidos sem diagnóstico adequado dos problemas, sem monitoramento e sem avaliação de progressos e resultados. Falta apoio político-institucional nas diferentes esferas de governo, no Legislativo e no Judiciário, o que impede disseminação de boas práticas.

Os recursos empregados também são insuficientes e, quando há cortes, estes programas são os primeiros a serem suspensos. O resultado, na avaliação dos pesquisadores do NEV, é menos transparência, responsabilização legal, participação social e respeito aos direitos humanos. “Nos últimos anos, houve uma fragilização dos programas de direitos humanos, não por um governo ou outro, mas compartilhada pelas diferentes esferas do Estado, pelo setor privado e pela sociedade civil”, explica Paulo de Mesquita Neto, coordenador do relatório. “Falta uma visão do valor dos direitos humanos para a promoção da cidadania. Ainda hoje, a garantia dos direitos humanos não é vista como um fator de proteção e promoção da democracia e do desenvolvimento social”, acredita.

Nesse cenário, os abusos cometidos contra as pessoas com deficiência se tornam ainda mais frequentes. Se a população visível é vítima, cada vez mais frequente, dos abusos, quanto mais aqueles que ninguém vê.

Relatos de abusos, constrangimentos, tortura psicológica são muito frequentes nos grupos de discussão de pessoas com deficiência. Acontece em instituições que deveriam zelar pelo bem estar dessas pessoas, em escolas, em hospitais. Isso se, deixarmos de lado a humilhação que muitos passam em ambientes sem acessibilidade.

O parágrafo 15 da Convenção é muito bonito mas, se os meios de aplicação do mesmo não forem criados. Vamos somente continuar a ouvir histórias de horror e impunidade.

[1] Torture vs Other Cruel, Inhuman, and Degrading Treatment
Is the Distinction Real or Apparent?
Metin Ba o lu, MD, PhD; Maria Livanou, PhD; Cvetana Crnobari , MD
Arch Gen Psychiatry. 2007;64:277-285

[2] 3º. Relatório Nacional sobre Direitos Humanos no Brasil. Elaboração do texto e redação final: Paulo de Mesquita Neto. Núcleo de Estudos da Violência. USP . 2007

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
Artigo 15


Prevenção contra tortura ou tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes

1. Nenhuma pessoa será submetida à tortura ou a tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Em especial, nenhuma pessoa deverá ser sujeita a experimentos médicos ou científicos sem seu livre consenti­mento.

2. Os Estados Partes tomarão todas as medidas efetivas de natureza legislativa, administrativa, judicial ou outra, para evitar que pessoas com deficiência, do mesmo modo que as demais pessoas, sejam submetidas à tor­tura ou a tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

Publicado originalmente em :
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – Edição Comentada

Descrição da imagem : soldados americanos torturando um prisioneiro durante a guerra do Vietnã